21 de outubro de 2024

A Água das Plantas


— Você vai aguar as minhas plantas, não vai?

— Vó, tem tanta coisa mais importante para se preocupar agora...

Luísa gesticulou negativamente após ouvir a resposta de Hélio. Para ela a água das plantas era a coisa mais importante do mundo, mesmo ali, talvez nos últimos momentos de sua vida. Quando terminasse o viver quem, afinal de contas, ficaria responsável pela samambaia?

O fim dos dias não era algo que a idosa temia, pois tinha se convencido de que além de inevitável era inútil sofrer com dúvidas e apegos materiais. Se Nossa Senhora estivesse lhe esperando de braços abertos como acreditava que estaria, seria o momento mais grandioso de sua existência; se não, não perderia nada, afinal não seria merecedora de tamanha graça e tudo estava bem. Na pior das hipóteses acreditava que a fé a fizera levar uma vida toda tendo boas condutas, o que já tinha valor em si mesmo. Então não temia por ela, mas pelo que deixava; pela água que faltaria e pela vida perdida junto da sua.  

A mulher de setenta e oito anos estava internada há vinte e dois dias em um dos leitos comuns da Santa Casa por causa de um tombo sofrido em sua cozinha. O diabetes estava elevado, o fêmur tinha se partido no tombo; o osso não calcificava e as escaras aumentavam a cada dia. Ali resgataram seu diagnóstico da última internação; trazendo exames antigos que mostravam um coração fraquinho. Após novos exames constataram que o problema não só persistia como havia se acentuado, fazendo com que Hélio acreditasse que ela não voltaria mais para casa. O neto não entendia a fixação da avó pelas plantas que deixara em casa. 

Luísa notou o semblante de incompreensão de Hélio após observar a decepção da vó ao ouvir dele que havia problemas maiores do que a água das plantas.  Reuniu forças para explicar-lhe que quando tinha quase a idade dele, uns vinte anos, a sua vó, Laura, lhe explicou que o vaso da sua samambaia era proveniente de uma outra espécie da planta, natural lá da Mata Atlântica que se chamava Samambaia Gigante. Eles cortam uma árvore grande e usam o tronco pra fazer vaso de xaxim. Então a samambaia vive no corpo de uma irmã morta. É como se a morte de uma fosse o espaço para as raízes da vida de outra... 

A samambaia de Laura ficava num vaso de xaxim na área da casa grande do sítio. Era uma planta que tinha um ritmo de vida calmo e belo. Devia ser irrigada de acordo com a umidade da terra em sua volta e ela gostava do úmido, mas não podia ficar encharcada. Nem muito molhado nem seco demais, o equilibro que se deve ter na vida, contou a avó à Luísa. 

— Ela me levava pra ver a planta. Me mostrava o dedo barrento para medir se precisava de mais água ou não, se estava saudável, se precisava de mais ou menos luz observando a folhagem queimada pelo sol. Ela me ensinava coisas com esses gestos simples.

A sabedoria dos antigos demonstrava que a samambaia tinha fases de vida; que ela não dava flor nem gerava sementes, mesmo assim dava esporos que podiam se tornar novas plantas. Para fazer mudas era necessário tirar uma touceira da samambaia e plantá-la em outro vaso.  Apesar de ser tão formidável, fora da natureza, a vida da samambaia estava nas mãos de quem detivesse o dom de dar-lhe água e luz do sol na quantidade certa. Era uma grande responsabilidade... 

— Quando a vó tava pra fazer o seu passamento ela fez o que tô fazendo agora. Me chamou lá no quarto dela e me perguntou se eu podia cuidar da samambaia pra ela. Fiz uma cara parecida com a sua, concluindo que era bobagem pensar na planta num momento como aquele. Apesar de fraquinha vó Laura sorriu com doçura e me deu sua última lição; a de que morrer fazia parte da vida e que não havia nada de ruim nisso; que ninguém reconhecia o xaxim que é o corpo de uma samambaia morta como um cadáver, mas como uma linda parte da samambaia. Ela queria ser lembrada assim: como algo que não fosse morto, mas que fizesse parte de uma coisa bonita. Enquanto eu fosse a samambaia ela seria o meu xaxim. Vi beleza nas palavras que ela me disse e aceitei o encargo com muita seriedade. Eu tinha vinte e quatro anos nessa época e nem era casada ainda.

Mas com o passar dos anos o encanto das palavras de Laura foram sumindo entre os afazeres cotidianos. Tornou-se difícil ter o cuidado especial que a vó queria que Luísa tivesse com a planta. O casamento, a mudança para cidade, os filhos e afazeres domésticos, as turmas da escola, tudo isso foi diminuindo as visitas à velha casa do sítio que era o lar da samambaia. 

Certa vez, quando passou lá para ver a planta ela quase chorou. A samambaia estava com folhas amarelas, galhos secando e fraquinhos. A culpa por esquecer da promessa que fizera à mãe de seu pai, pessoa tão carinhosa, simples e sábia que existia agora em lembranças e nas folhas da samambaia a deixou muito triste. 

Laura foi uma mulher que viveu a vida toda na roça, primeiro trabalhando na pequena propriedade de seus pais com seus irmãos; depois naquela casa ao lado do marido cuidando dos nove filhos. O lugar mais distante que conheceu em vida foi a cidade de Aparecida do Norte, onde ia vez em quando em romaria. Não tinha mais um corpo, mas de alguma forma vivia naquela área abandonada; dava quase para sentir o cheiro dela, sua presença tão calma tal qual a samambaia. Seu sorriso de olhos fechados e lábios marcados pelo tempo tão verdadeiro que fazia inveja a qualquer riso novo. Vovó tinha um quê de planta, lembrou com saudade Luísa.   

 — Eu sabia que as mudas iam bem se a planta estivesse saudável para tirar touceira, mas imaginei que a parte ainda verdinha poderia dar uma boa muda. Então tirei uma parte do velho xaxim com cuidado e plantei em um vaso de cerâmica. Coloquei num lugar que sabia que recebia boa luz durante o dia, perto da mãe-samambaia doente. Pedi em reza pra vó me ajudar a salvar a samambaia.  

Preocupada, Luísa passou a ir duas vezes na semana ao sítio para ver a samambaia, conferindo se o sol estava sendo suficiente e mantendo a irrigação em equilíbrio. Ela não queria que as plantas morressem, afinal de contas ela era a samambaia e a vó o xaxim.  A separação da parte boa não evitou que a parte original secasse, mas salvou um pedaço da planta que manteve o verde-bonito que tinha dos tempos de Laura e cresceu, estendendo seus galhos pelo vaso num grande leque vistoso. Luísa sabia que a samambaia podia chegar aos cento e cinquenta anos. Era uma forma de manter a vozinha viva por bastante tempo.  

A cidade não era distante. As visitas ao sítio se tornaram rotina e logo a nova samambaia da vó Laura ganhou companhia de outras plantas. Rosa normal, rosa do deserto, vinca de diversas cores que floriam em tempos diversos e deixavam um cheiro gostoso no ar. As plantinhas traziam paz ao coração da professora, disse, certa vez, a um vizinho de cerca. Elas eram tão certas no mundo, ocupavam espaço com delicadeza e sutileza sobre o chão ou nos vasos, parecendo pintadas à mão pelo criador. Que bonito era vê-las em um entardecer, acariciadas pelo vento fresco do início da primavera!    

Quando o vô Chico foi morar com Deus, Luísa ficou muito triste e quase secou também. Lembrou-se das palavras de vó Laura sobre o fim e de que o marido agora não precisava ser morto. As obras dele estavam vivas no caráter dos filhos, na felicidade dos netos e nas boas ações relembradas por amigos. Era ele agora xaxim também e quando fosse a vez dela, aceitaria em paz. Por outro lado, enquanto ainda não fosse xaxim poderia deixar a parte seca no vaso velho e transferir a parte verde a um novo local e ainda crescer. Aposentada decidiu se mudar para o sítio mesmo seus filhos e netos não aprovando a ideia.

Foi bom de verdade ter sido plantada em terra. Viveu quase dez anos bem vividos apesar do coração cansado que o médico disse que não tinha mais que seis meses de validade numa das vezes que passou mal. Ali de galhos secos e quase sem vida, pronta para ser xaxim queria que Hélio fosse sua samambaia nova.


2 de setembro de 2024

Lição



O professor fez cara feia ao ouvir do aluno que recebia seu trabalho de volta com a devida correção e nota:

— Melhor feito do que perfeito! 

7 de junho de 2024

Dia chuvoso


Anna era um dia chuvoso do primeiro mês do ano. Céu acinzentado e garoa bem fininha aguando as folhas das árvores. Pouco vento, as cores sem brilho e o cheiro de terra molhada constante.  Estradas barrentas observadas pelas janelas ao ritmo de pingo de telha. Cochilo durante o dia, não trabalhar ou receber amigos inesperados. A melancolia que toma conta de todos de Janeiro. As festas de fim e início de ano tinham se passado não fazia muito e todos pareciam cansados e tristes, desejosos de secarem. Por ser assim todos no verão torciam para que ela passasse e chegasse um dia de sol. 

2 de maio de 2024

Parada Poética



Na terça próxima, dia 7 de maio, ocorrerá a Parada Poética no Centro Cultural de Mogi Guaçu. A atração é um dos eventos da Feirarte, a feira de arte, organizada pela Secretaria de Cultura uma vez por mês. Grandes nomes da poesia da nossa cidade estarão lá para apresentar suas poesias. O evento começará às 19 horas e eu vou me apresentar também! É claro que não será com poesia porque não sou poeta, mas com um conto do meu recém-lançado livro Treze Contos Num Livro Nunca Visto. Que tal aparecer?
Olha só os dados oficiais do evento: 

VEM AÍ A FEIRARTE NO CENTRO CULTURAL DE MOGI GUAÇU🎨✨🎶

🎨🍴🎶Venha aproveitar uma noite repleta de arte, música, gastronomia e muita diversão! 
Entrada gratuita para toda a família. Não perca essa oportunidade de prestigiar o talento local e se deliciar com as maravilhas da Feirarte! 

📅 Marque na sua agenda: 07 de maio (terça-feira)
🕖 Horário: A partir das 19h 
🎶 Atração: Parada Poética
📍Local: Centro Cultural Municipal
📌 Endereço: Avenida dos Trabalhadores, 2651, Jardim Camargo II, Mogi Guaçu

Nos vemos lá!
Abraço. 

16 de abril de 2024

O Lançamento de Treze Contos

fonte: Carlos Pinheiro

Foi no sábado, dia 13 de abril de 2024 na Sala de vídeo do Centro Cultural dessa cidade de Mogi Guaçu/SP que aconteceu o lançamento do meu livro "TREZE CONTOS NUM LIVRO NUNCA VISTO. Na oportunidade recebi com muita alegria, mais uma vez, amigos, colegas escritores, colegas da Educação e familiares numa manhã muito especial. 

Agradeço de novo a cada um que doou um pouquinho da sua presença para mim nesse dia. Cada vez mais reconheço a importância da presença. 

Ah, em tempo, agradecimento especial à Secretaria de Cultura que através da Biblioteca João XXIII me deu todo apoio espacial.

Quer ver o meu registro fotográfico? 

A noiva do meu amigo Gabriel, a Julia

Cida, a minha colega da AGL

O colega autor e músico Renato Barzon

Parceiro Marcos Cunha!

O poeta Cícero Alvernaz

Nosso presidente da AGL Diamantino Gaspar

Tia Nenê e a Kelly

e a Tia Rita

Tia Nilza, Gilson e Marjory

Que legal receber a Jô e seu esposo

Meu primo Flaviano e sua esposa

Tia Bene e sua linda família

O primo Thiago

Meu xará também veio!

Augusto Legaspe da Academia aparece também!

E o Carlos Pinheiro que é da AGL e fotografou tudo!

Everton, amigo ímpar, e sua família 

Fátima Fílon que dispensa apresentações

Sou fã do poeta Nunes Guerreiro

E do Rodrigo dos Inspirados

Olha o Jamelão!

A Neuza amiga da escola. 

Filhas e esposa. 

E minha mãe

Olá todo mundo.

Quero mencionar aqueles que não estiveram presente por motivos compreensíveis, mas apoiaram adquirindo um exemplar do livro ou de algum outro modo. Fica o registro!    

5 de abril de 2024

Só um fato curioso



Esses dias mostrei o livro Treze Contos para um amigo, dizendo que a história contada por ele para mim estava num conto. Ele se interessou imediatamente pelo fato, pediu para ver, ler. Ao final da leitura do conto "Do Lado de Fora" lágrimas se juntaram nos olhos dele. Pensei comigo na magia da leitura que é capaz de eternizar pedacinho de vida; de nos fazer próximos de quem já não tem um corpo físico.