17 de dezembro de 2018

O Maravilhoso Bistrô Francês - Nina George


Nunca é tarde para ser feliz

Se em "A Livraria Mágica de Paris" (resenha pode ser lida aqui) Nina George fala da magia da leitura em "O Maravilhoso Bistrô Francês ela explora o poder da pintura. Dessa vez temos um novo lugar, uma nova personagem e muitos sentimentos. O que é evidente nas duas obras da autora é o seu gosto por falar de Arte e de lugares incríveis. 

Tudo começa com Marianne, uma mulher de 60 anos, tentando cometer suicídio pulando da ponte do Rio Sena. O plano dá errado, ela é salva e levada ao hospital onde ficará em observação até a manhã seguinte, quando terá alta médica e voltara para a vida da qual tentou se desvincilhar. Durante a noite por estar faminta ela "rouba" alguns biscoitos das enfermeiras e acaba encontrado um pequeno quadro com a pintura do porto de Kerdruc. Então, ela tem a ideia de ir até o local para se matar. Apenas com o dinheiro do seguro recebido por causa do acidente na ponte ela parte para Kerdruc, deixando o marido e sua vida triste. Pega carona, caminha e acaba chegando ao local retratado no quadrinho, mas as coisas vão acontecendo e ela vai adiando o suicídio... 

Assim é "O Maravilhoso Bistrô Francês" que tem este nome por causa do lugar em que Marianne acaba arrumando emprego. Lá ela conhece pessoas incríveis como o chefe Jeanremy, a garçonete Laurine, a dona do restaurante Geneviéve, os beberrões Paul e Simon e muitos outros que transformam completamente a vida da personagem. Marianne redescobre o gosto pela vida, aprende a lidar com o sofrimento e amor, numa saga de muito aprendizado. Encontrar a felicidade tem ligação com encontrar-se a si mesmo. 

Nina George é muito eficiente trabalhando com sentimentos. Explora doenças terminais na dosagem certa, sem ser piegas ou superficial. Há verdade no que lemos. As personagens, por sua vez, também são autênticas, bastando mencionar que Marianne é uma senhora de sessenta anos, totalmente submissa ao marido que acidentalmente redescobre o gosto por viver. Não é incrível pensar uma personagem assim? De idade não convencional e de uma beleza que não se enxerga com os olhos. Obviamente que nem todos os personagens são aprofundados na trama, mas George fez questão de fechar todas as histórias.  

Ah, e tem um parte muito interessante no final do livro. Uma entrevista com a autora em que ela explica como se inspira e o que pensa da carreira de escritor. Fala de realizações e do privilégio de poder ser uma bruxa das letras.  

Uma obra que fala de feminismo, de velhice, de amor, de perda e de recontro; tudo acontecendo num dos lugares mais belos do planeta. Leitura recomendadíssima! 

Fica a resenha e a dica!
Abraço.              

7 de dezembro de 2018

UM BRINDE AOS ELFOS, RENAS E CRIANÇAS QUE NÃO GANHAM PRESENTES



Mary se ajeitou no sofá gasto depois de um cochilo. Coçou os olhos com as mãos trêmulas do Parkinson e se espreguiçou. Que horas eram? De certo o marido já tinha saído. As luzes da árvore de natal piscavam em vermelho, amarelo e verde, iluminando a pequena sala, cujo televisor se mantinha desligado, encostado na parede lateral. Já era mais de meia noite, observou no relógio de madeira circular no alto da parede, constatando que Nicolau já tinha partido como em todos os anos. Coitado, ainda tivera o trabalho de desligar a caixa de imagens antes de deixar a casa. Era dele pensar nos outros antes de si mesmo; era sua virtude lembrar de todos. Mary sorriu, ajeitando os pés calçados por meias brancas nas chinelas antigas. Levantou-se e arrastou os pés até a cozinha para tomar um copo de leite antes de dormir, afinal quando amanhecesse teria um grande dia. 
— Ah! Que susto! — disse Mary ao apertar o interruptor de luz — Que aconteceu? Alguma rena morreu? O trenó se quebrou? Os presentes não ficaram prontos? O Mundo se acabou enquanto eu cochilei?
— Nada disso — respondeu-lhe o velho barbudo, empurrando o copo para longe de si — Eu não quis sair esta noite. 
— Não quis sair? Eu estou com muito medo agora... 
Nicolau deu um rápido sorriso. Irônico, desesperador? Só Mary sabia. Sacudiu a cabeça em negação. Estava tudo errado, tudo! 
— Libertei os Elfos, soltei as renas. Como eu podia continuar dormindo em paz depois te tantos anos fazendo isso... 
— Está louco? As crianças estão esperando pelos presentes! 
— Elas vão se virar bem sem mim.  
Mary franziu o cenho por um momento. Pensou em responder, conteve-se. Puxou uma cadeira e se sentou. Há séculos o marido fazia aquilo e em nenhuma ocasião tinha se atrasado. Desistir? Esta possibilidade jamais fora aventada! Nicolau sempre lhe pareceu um velhinho feliz, de risada gostosa e otimista! O que o afligia? A esposa do Papai Noel não precisou perguntar. 
— No início achava que o que eu fazia era importante e correto. Dar presentes! Ora, quem não gosta de recebê-los? Mas os anos foram me mostrando que pouco faço de bom, Mary. Tomemos por exemplo os Elfos que trabalham na minha fábrica de brinquedos. Acha que eles recebem salário? Que trabalham apenas oito horas diárias? De forma alguma! Vamos às renas agora: elas cruzam os céus dos quatro cantos no Mundo em apenas uma noite sem parar para hidratação ou alimentação. Isto é maus-tratos com os animais! 
— Mas Nicolau, todos adoram o Natal. Os Elfos e as renas sabem disso e doam suas vidas para o bem maior que é entregar presentes a todas as crianças! 
— Vou te contar uma grande novidade e aí que vem a principal razão de eu desistir do meu trabalho. Têm muitas crianças no Mundo que não recebem presentes. 
— Não acredito. 
— Vai ouvindo. O trabalho que realizo é ínfimo se comparado ao número real de infantes viventes. Não é só! Há muitas pessoas que acham normal o fato de crianças ficarem sem nada, enquanto algumas ganham diversos presentes. 
— Meu Deus, isto é terrível! Onde está o Espírito Natalino nessas pessoas? 
— Descobri que o Natal é só uma desculpa para fomentar o comércio. Nós dois sabemos o segredo do comércio; que para o produto ser caro, precisa ser desejado. Para ser desejado, precisa ser raro e sendo para poucos é preciso que muitas crianças fiquem sem presentes!
— Eu não sei o que dizer, Nicolau. 
— Não diga. Pegue um copo e me ajude a esvaziar esta garrafa. Vamos brindar em honra dos Elfos, renas e das crianças que não ganham presentes.  

Paul Law, Mogi Guaçu, 07 de dezembro de 2018.