28 de julho de 2020

Dom Quixote - Volume II



A aventura épica continua (e termina)

A segunda parte das aventuras do valoroso Dom Quixote foi publicada originalmente em 1614 com o nome de "O engenhoso cavaleiro dom Quixote de La Mancha". Os leitores do primeiro volume tiveram que esperar dez anos para conhecerem a continuação da história do fidalgo mais famoso do mundo. Neste ínterim, foi lançada uma continuação falsa de autoria de  Alonso Fernández de Avellaneda.

O segundo volume de Dom Quixote começa com a terceira saída do fidalgo de sua vila para viver aventuras de cavaleiro andante, cujas façanhas havia aprendido em livros de cavalaria. Aliás, como é do conhecimento dos leitores do primeiro volume, foram as leituras que deixaram Dom Quixote louco e o fizeram desejar reproduzir as façanhas dos livros na vida real. Desta vez, no entanto, acompanhado novamente de seu escudeiro Sancho Pança, o cavaleiro deseja trilhar até Saragoça para provar seu valor como cavaleiro andante. Já de início a dupla precisa conseguir a benção de Dulcineia del Toboso, a musa amada de Dom Quixote. Como é de se esperar a coisa não anda bem e o cavaleiro acaba deduzindo que sua formosa princesa foi enfeitiçada por magos e foi transformada em uma camponesa horrorosa. Os magos, é preciso dizer, vão perseguir Dom Quixote por toda a aventura e serão responsáveis por várias passagens engraçadas. 

Um fato curioso desta segunda parte é que nela fala-se da primeira parte. Personagens que são encostrados pelo nobre cavaleiros já conhecem sua história e sabem de sua loucura. Usam dela para pregar peças em Dom Quixote e Sancho Pança, o que é triste, embora pareça cômico. É um retrato da maldade humana que existia antes do tempo de Cervantes e continua existindo. Indo mais longe, o autor faz Dom Quixote conhecer a falsa segunda parte de sua história que foi lançada antes da verdadeira pelo misterioso Alonso. Promove o encontro do verdeiro Dom Quixote com vários leitores dessa versão não canônica, chegando ao ponto de narrar o pedido do cavaleiro de que um leitor oficializasse publicamente que agora conhecia o verdadeiro Dom Quixote. Nesta obra não há contos paralelos como na primeira, sendo a história mais linear e focada na aventura do Cavaleiro dos Leões e seu escudeiro.

Finalizando, o segundo volume de Dom Quixote é mais longo que o primeiro, mais centrado no personagem principal e tem um bom deslinde As circunstância em que se dá o fim, são criativas e reflexivas. Talvez não fosse ideia terminar daquela forma, já que Dom Quixote ainda renderia boas histórias, mas o medo de ver seu personagem nas mãos de outros tenha influenciado Cervantes a conceber tal fim. 

Fica a resenha e a dica.
Abraço.        

15 de julho de 2020

Para Paz


Errei muito para um começo, não acha? Falei de coisas que você nem faz ideia. Youtube, marca de chocolate, foi boa, admito. Peço desculpas por escrever como se o meu destinatário fosse parecido comigo, foi um erro grave. Um equívoco que costumo cometer sempre, mas vou tentar me policiar, está bem? 

Só que nem de longe você acertou o que é Youtube.

Falando de sua pergunta sobre cheiro (que tipo de pergunta, heim?). Nunca parei para pensar nisso. Acho que por aqui o aroma das coisas não é marcante.   É claro que sinto o cheiro da comida sendo feita, ora essa. Só que faz muito tempo que não cozinho. Tenho feito refeições rápidas para ter mais tempo de trabalho. No shopping, na praça de alimentação, por exemplo, o local em que faço minhas alimentações, tem uma variedade de cheiros e sons que talvez te agrade. O cheiro de batata frita é muito bom. O gosto também. Seria um bom lugar para o nosso encontro, o que acha? Ah, esqueci que me disse que não quer se encontrar comigo. Para ser franco, eu te entendo.

Trabalho em uma escola, sabia? Claro que não, onde eu estou com a cabeça. Sabe agora. Sou professor e meu trabalho é mais como auxiliar no funcionamento da cabeça das pessoas. Plantar sementes de conhecimento, compreende? Faz quase vinte anos que faço isso. De segunda à sexta; das sete às dezoito horas, praticamente. Estou usando o meu tempo de descanso entre dois períodos para te escrever. Eu ensino Geografia, não é curioso? 

Mudando de assunto, pensei muito sobre o som do silêncio. Qual seria? Você me disse que é o de paz, mas eu não sei se concordo. É que posso imaginar paz barulhenta. Sabe quando você está em um show de rock? Curtindo? Acho que estar focado em algo que acontece se assemelha a paz. Já pensou o que sente quando está batendo palmas em uma festa de aniversário? Eu gostaria que me dissesse. 

No mais o que achou do nome que te dei? Paz parece ser um nome bem legal, não é? Fica sendo o seu para eu colocar no envelope das cartas, pois não se aceita nos Correios uma carta sem o nome de um destinatário. Para a primeira, inventei um nome na hora, acho que foi Maria, não é? Agora vou usar este: Paz. Paz, o som do silêncio. Seu som de silêncio pelo menos.     
              
Então, Senhorita Paz, você recebeu minha carta e respondeu! Sabe que fiquei muito feliz com sua resposta, mesmo que desdenhando da minha grande teoria sobre o tempo. Eu ainda vou te provar que estou certo. Mais que isso: vou te convencer a se encontrar comigo. Não que eu seja um homem extraordinário, longe disso. Sou bem comum, na verdade. Só que comum é bom, não é? Eu acho que sim. Um pouco solitário… 

Ah, sobre a chuva! Não está chovendo agora. Choveu noite passada, mas não vale, certo? É pouco mais de meio dia e faz um sol de rachar. Será que este sol é o mesmo que você pode ver agora que está lendo esta carta? Queria que me dissesse também. Como fui sincero com você, espero que seja assim comigo também.

9 de julho de 2020

De outra pessoa para alguém


Você tem problema, sabe disso não é? Eu não deveria te responder, mas como previu, fiquei brava com o que li. Que história é essa de comparar o tempo com uma linha cinza que vai ficando vermelha. Sei bem o que é fita cassete e até mesmo CD, mas Youtube? Isso é nome de chocolate? Pior ainda foi a ideia de que o tempo não existe. O que andou fazendo na escola este tempo todo? Aliás, o que está fazendo da sua vida! 

Caso queira saber e acho que quer, aqui tudo está bem. Diferente do que você acha, os dias estão passando normalmente. O sol nasce sempre no mesmo lugar, banha os grandes eucaliptos sempre do mesmo modo e ao final, se põe na outra extremidade, deixando o cheiro de mato esfriando no ar. Ouço os pássaros, vejo o cinza ir apagando as cores do dia e as estrelas ponteando o céu. São muitas estrelas daqui! Têm vezes que a lua cheia preenche o céu e quase parece dia. Um dia de noite e sem cor, sabe? Tem época em que ouço o coaxar dos sapos que é bem triste. Galinhas sobem nos galhos da jabuticabeira e se ajeitam para dormir logo que começa a escurecer. O vento, o bates das asas, tudo tem um som. Até o silêncio tem som, não é? O som de paz.   

Penso que ver, cheirar, ouvir e degustar te faça falta. Não existe cheiro por aí? De comida sendo feita pelo menos. Sua vida é ficar vendo linha vermelha passar num retângulo num treco chamado Youtube? Desculpe, mas eu não consigo imaginar algo assim sem pensar em sorvete, chocolate, essas marcas de coisa de gente rica. Você me faz rir com essa maluquice. Mas ainda estou brava, fique sabendo.  

Falando sobre o nosso encontro, penso ser extremamente difícil. Nós nem nos conhecemos pessoalmente. Na verdade, não sabemos nada um do outro, sendo que tudo o que sei de você é o que li em sua carta (o que não ajuda muito). Não é só por isso, nem porque o tempo não existe, mas sim porque não quero. Não me leve a mal por ser honesta a este ponto, mas é melhor pecar por sinceridade do que por falta dela. 

É uma questão matemática, pense bem. O que um não quer, dois não faz.  Não é pessoal, ou é, sei lá. 

Chove agora aqui. Neste exato momento ouço o barulho da chuva sobre o telhado e é bem gostoso. Tem uma goteira perto da mesa, mas tomo cuidado com o papel que uso para te escrever. Será que vai chover quando minha carta chegar até você? Eu gostaria que me contasse se sim. Não vale mentir, ok? Eu vou saber se for mentira, eu sempre sei.

1 de julho de 2020

De alguém para outra pessoa


Oi, tudo bem? Eu espero que sim. Não sei como começar a te escrever, então pensei em falar da minha teoria maluca do tempo. O tempo não existe. Não é para rir, é sério e vou te provar! Eu estou aqui, digamos num tempo e espaço diferente de você, correto? O que faço agora será lido por você depois. O meu presente será o seu futuro e o seu presente será o meu passado. Parece complicado, dizendo assim, mas não é. É bem óbvio até… Qualquer um percebe isso. De todo modo, dá pra perceber só por isso que não é claro definir tempo. Tempo é coisa de cada um? Você tem o seu e eu o meu? Eu posso aceitar isso. Posso ir além, se quer saber. Eu penso que o meu tempo é tudo o que existe é até meio louco pensar como penso, mas não consigo evitar. Sou Gabriela, eu nasci assim, vou morrer assim. 

Aposto que você não sabe onde estou agora! Nem eu, pra ser sincero. É porque o meu agora é diferente do seu. Por outro lado, é estranho imaginar o local em que você está. Seja agora ou depois (estou me usando com referência). Se eu estiver certo, e o tempo não existir, vou conseguir te encontrar. Certo, não será um encontro daqueles. Não como a maioria das pessoas imaginam (as normais pelo menos). 

Eu disse que não sabia como começar, não disse? 

Acho que Chico Buarque falou uma vez que o começo é só o começo e que nem sempre continua sendo começo depois que a história se desenvolve. Nas edições, pode-se criar um texto inicial, ou mudar a ordem de capítulos. Ele entende que é preciso começar de algum modo. Talvez seja isso que eu estou fazendo agora, percebe? Talvez quando você ler esta carta, este texto não seja a primeira coisa a ser lida. Bem que eu gostaria de ter um começo melhor, mas por enquanto este vai servindo. 

Vou escrever um pouco mais sobre a minha teoria revolucionária sobre o tempo. A inexistência dele, como já disse. Pra começar (vamos lá!) imagine uma fita cassete. Exemplo ruim? Ok, então vamos imaginar um CD. Esqueça o CD, acho que ele é velho demais, também. Um vídeo no Youtube, certo? Temos a tela preta onde se desenrolará o vídeo. Há uma linha branca na parte inferior do retângulo que vai sendo preenchida por uma linha vermelha enquanto o vídeo vai passando. Quando a linha vermelha chega na extremidade do retângulo, o vídeo termina. Eu penso no tempo como aquela bolinha vermelha que vai correndo pela filmagem e preenchendo a linha branca de vermelho. Ela corre de um ponto a outro e só! Não pode extrapolar os pontos pré-definidos e as coisas acontecem dentro dessa limitação. Não é incrível? Então, não faz sentido a minha teoria? O tempo é uma ilusão, como um vídeo na internet. 

Acho que você vai ficar brava comigo depois de ler o parágrafo anterior.

Se ficar, tudo bem.