14 de agosto de 2020

Ao professor

 

Já que é para dar nomes, tomei a liberdade de te dar um. Professor, que tal? Não é lá muito criativo, mas foi o primeiro nome que me veio à mente depois de ler a carta que me mandou. Fiquei pensando em sua profissão e como ela é importante. Tive os meus professores também, mas penso que são diferentes dos seus ou de quem você é. Falo isso pelo conjunto de tudo que li em sua carta, já que mencionou lugares que me são estranhos. Pelo menos de batata frita entendo bem. Eu mesma sei fritar, sei fazer ficar sequinhas, uma delícia. Poderia te convidar para provar, mas seria apenas por educação, então… 

Tente imaginar aí como são minhas batatas fritas. 

Só para registar: que ideia estranha me chamar de Paz. Tem noção? Pior ainda é sua atitude de não concordar comigo sobre o som do silêncio ser paz. Para alguém que quer me fazer mudar de ideia, você está se saindo muito mal. Anote aí que eu não gosto de ser contrariada. Então, sinto muito, não vou dizer o que penso quando estou batendo palmas em uma festa de aniversário. Está bem, estou pensando nisso agora, mas não vou escrever. 

Acredito que estava ensolarado quando me escrevia, não se preocupe. O seu sol até pode ser o mesmo que vejo neste momento. A diferença é que ele está indo embora agora. Como logo desaparecerá aqui, talvez surja aí, não é mesmo? Se as coisas não são observadas por alguém, poderiam deixar de existir. Seria uma maneira legal de economizar energia, o que me diz? O meu pai sempre reclama de luzes acesas sem ninguém no cômodo. Diz assim:

— Por que lâmpada acesa sem ninguém dentro do quarto?

Ele tem razão, mas muitas vezes eu esqueço de apagar a luz. Talvez Deus também reclame das coisas não serem desligadas depois que paramos de olhar. Ele diria assim:

— Por que o sol aceso sem ninguém para ver?

Será que alguém se esquece de apagar o sol? 

De todo jeito o sol já se foi, se apagou, alguém o apagou, sei lá. O céu está escurecendo e as estrelas mais brilhantes já aparecem perto do horizonte. Eu tenho a impressão que as estrelas que brilham mais são próximas do horizonte. Gosto de observá-las perto da luz do dia indo embora. Eu tenho quase certeza de que há muito tempo você não vê um pôr do sol. 

Vem cá, só sabe fazer perguntas esquisitas? 

Fiquei curiosa sobre sua profissão. Pra ser precisa sobre Geografia. Eu me lembro que Geografia era a matéria em que estudávamos os planetas, o clima, as regiões do país. Ah, era nas aulas de Geografia que fazíamos mapas! Usávamos papel de seda para copiar o mapa do Atlas e depois passar no caderno com uma caneta de ponta fina, preta. E essa caneta era bem cara, viu! Você passa mapas aos seus alunos? Se fosse meu professor ficaria orgulhoso do meu capricho. 

Se bem que faz alguns anos que terminei os estudos. Fiz até a oitava série, depois tive que sair da escola. É que os livros do 2º Grau eram muito caros. Além disso, eu já tinha idade para trabalhar por aqui. Hoje já me acostumei e até me sobra um pouco de dinheiro que uso para comprar discos e roupas. Comprei um vestido de linho, vermelho que é a coisa mais linda! 

Bem, é isso. Vou ficando por aqui, ouvindo João Paulo e Daniel. Procure aí pela fita que tem a música “Só dá você na minha vida”. 


Lei as outras cartas:

Primeira

Segunda

Terceira

6 de agosto de 2020

Para começar a ser pai você precisa estar lá

Imagem retirada do blog Consultório Sentimental


Pai é pai. Por mais óbvio que a afirmação possa parecer, para mim, carrega muito significado. Ser pai é ser e por isso não é muito fácil. A primeira coisa que alguém que "é" precisa fazer é "estar lá". Estando lá você pode tentar ser o que precisam que seja. Do mesmo jeito que o filho vai aprendendo a ser filho, o pai vai fazendo a sua parte sobre paternidade; vai observando um serzinho quieto, muito parecido com um boneco de brinquedo, ganhar movimentos, sons, expressões e espaço no Mundo. Enquanto essas coisas acontecem, as ações do pai que basicamente são comprar comida, fraudas, levar ao posto de saúde para tomar vacina, comprar e trocar roupas, vão evoluindo. Ser é estar lá! 

O meu pai, por exemplo, não fez curso de como ser pai; não perguntou ao pai dele como deveria agir agora que era pai também; não leu livros que ensinavam paternidade; nem pesquisou no Google como ser um bom pai (não havia Google naquele tempo). Mesmo assim, contra todos os prognósticos, com todos seus defeitos, suas qualidades, meu pai é pai. Sabem por quê? Ele estava lá! Ele ainda está... 

Eu me lembro de muitas ocasiões em que ele esteve presente e que eu até nem queria que estivesse, mas fico feliz hoje por ele ter estado lá. Acho que eu já escrevi isso uma vez, mas vale repetir: a qualidade que mais admiro no meu pai é sua capacidade de não desistir. Ele é bem teimoso e teve vezes que eu quis desistir do que fazíamos, mas ele não! No fim, acabamos fazendo o que eu teria desistido de fazer.  

Conheci ótimos pais e geralmente foi por causa de seus filhos. Funciona assim: a criança, o adulto, o adolescente é educado, tem caráter, se comporta bem: o pai é bom. A família toda é boa! É claro que isso não é uma regra, nem mesmo o inverso deve ser considerado verdadeiro.   

Sei de muitos outros pais: aquela mãe que criou seus filhos sem ajuda de um companheiro, trabalhando muito! Quando ela chegava do trabalho exausta e reencontrava suas crianças, além de mãe ela era pai. Aquele irmão que ficou no lugar do pai que foi embora ou faleceu; aquela irmã, aquele amigo, aquele vizinho, aquele padrasto, aquele companheiro. Todos eles são pais porque estavam lá. 

Do mesmo jeito, infelizmente, quem não está lá tem muito trabalho para ser pai. É aquela frase que usei para começar este texto: pai é pai. É bem complicado para alguém reconhecer a figura paterna que é distante, que promete ver o filho e não vai, arruma desculpas, deixa a criança com os seus pais nos dias de visita. Mesmo aqueles que moram com os filhos, mas estão distantes, pensando em sucesso profissional ou aplicações financeiras.    

Também já escrevi em algum lugar que uma das coisas que mais me enche de orgulho é ouvir minhas meninas me chamarem de pai. No cotidiano mesmo, ao pedirem alguma coisa, se queixarem do que uma fez a outra ou no fim de noite quando escuto quase sempre "Eu te amo, pai".   

Então, penso que ser pai é uma coisa muito próxima de estar presente.