9 de julho de 2020

De outra pessoa para alguém


Você tem problema, sabe disso não é? Eu não deveria te responder, mas como previu, fiquei brava com o que li. Que história é essa de comparar o tempo com uma linha cinza que vai ficando vermelha. Sei bem o que é fita cassete e até mesmo CD, mas Youtube? Isso é nome de chocolate? Pior ainda foi a ideia de que o tempo não existe. O que andou fazendo na escola este tempo todo? Aliás, o que está fazendo da sua vida! 

Caso queira saber e acho que quer, aqui tudo está bem. Diferente do que você acha, os dias estão passando normalmente. O sol nasce sempre no mesmo lugar, banha os grandes eucaliptos sempre do mesmo modo e ao final, se põe na outra extremidade, deixando o cheiro de mato esfriando no ar. Ouço os pássaros, vejo o cinza ir apagando as cores do dia e as estrelas ponteando o céu. São muitas estrelas daqui! Têm vezes que a lua cheia preenche o céu e quase parece dia. Um dia de noite e sem cor, sabe? Tem época em que ouço o coaxar dos sapos que é bem triste. Galinhas sobem nos galhos da jabuticabeira e se ajeitam para dormir logo que começa a escurecer. O vento, o bates das asas, tudo tem um som. Até o silêncio tem som, não é? O som de paz.   

Penso que ver, cheirar, ouvir e degustar te faça falta. Não existe cheiro por aí? De comida sendo feita pelo menos. Sua vida é ficar vendo linha vermelha passar num retângulo num treco chamado Youtube? Desculpe, mas eu não consigo imaginar algo assim sem pensar em sorvete, chocolate, essas marcas de coisa de gente rica. Você me faz rir com essa maluquice. Mas ainda estou brava, fique sabendo.  

Falando sobre o nosso encontro, penso ser extremamente difícil. Nós nem nos conhecemos pessoalmente. Na verdade, não sabemos nada um do outro, sendo que tudo o que sei de você é o que li em sua carta (o que não ajuda muito). Não é só por isso, nem porque o tempo não existe, mas sim porque não quero. Não me leve a mal por ser honesta a este ponto, mas é melhor pecar por sinceridade do que por falta dela. 

É uma questão matemática, pense bem. O que um não quer, dois não faz.  Não é pessoal, ou é, sei lá. 

Chove agora aqui. Neste exato momento ouço o barulho da chuva sobre o telhado e é bem gostoso. Tem uma goteira perto da mesa, mas tomo cuidado com o papel que uso para te escrever. Será que vai chover quando minha carta chegar até você? Eu gostaria que me contasse se sim. Não vale mentir, ok? Eu vou saber se for mentira, eu sempre sei.

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