O zíper do meio do macacão negro e colado ao corpo foi fechado por Damian. Ele parou na altura dos seios.
— Pode ser que eles te ajudem — disse o pistoleiro.
— Não fique zangado.
O caubói virou o rosto.
— Não estou — ele mentiu.
O coldre com as duas 45 já estava posicionado na cintura, o chapéu negro na cabeça, as botas nos pés. Estava na avenida principal de Neo Texas, agora fechada para o espetáculo.
A dupla de bandidos havia ficado presa nos últimos dias, afim de que todo o evento fosse preparado nos moldes exagerados do xerife Roland Morrison. Ele mandou instalar nas proximidades diversas câmeras para a cobertura do evento. Tudo seria transmitido pelo antigo sistema televisivo da cidade, operante em regime experimental para as demais cidades de Novo Oste que haviam recebido telões especialmente para a ocasião.
— Isso é loucura, Mae. Ele te violentou por quantas vezes?
Ela sorriu.
— Ele me deu uma chance.
Manobrou os revólveres entre os dedos, escutou o barulho dos nano-robôs zunindo dentro do seu sangue. Estava tracejada de vermelho e pronta.
— Vai ficar tudo bem — Mae deu um beijo em seu companheiro.
Fez o sinal da cruz com a arma da mão direita e ganhou a extremidade da avenida para esperar o seu oponente. Entretanto, quem apareceu do outro lado foi Morrison.
— Olá, Mae Dickson! Hoje vamos filmar você em ação, o que me diz? Você tem a chance de ganhar pelas armas o direito de ver o seu rebento. Por mais que eu goste de você, não posso aliviar. Então a escolha do seu oponente foi uma questão analisada com carinho. Acho que quis adiantar as coisas, se é que me entende.
— Coloque o cara que materei na minha mira logo, Morrison!
— Você quem pediu. Com vocês o maior pistoleiro de Neo Texas. Nosso prodígio, Raul Madison.
Ao ouvir aquele nome, Mae sentiu o seu estomago afundar nas costas. A boca ficou seca, o coração acelerou. Só quando viu o homem forte em sua frente foi que se deu conta de quantos anos tinham se passado. Era uma versão mais musculosa do homem que a teve como escrava. Os braços estavam serpenteados por linhas avermelhadas. Os olhos dele eram iguais aos dela. Estavam furiosos.
— Aí está, Mae Dickson, o seu filho rejeitado. Vocês podem começar quando quiser — Roland deu um tapa nas costas de Raul e se retirou.
Pelo menos poderia morrer feliz, afinal havia visto o seu filho. Isso fê-la sorrir. O homem a sua frente indagou-lhe:
— Do que está rindo, bandida? — a voz era rouca, determinada.
— Nada, desculpe. Estou pronta.
Os olhos parecidos se encontraram mais uma vez. Raul puxou sua arma com habilidade, um disparo contra a cabeça de sua mãe, ela se defendeu atirando de encontro. As balas se chocaram e chicotearam. O policial então sacou as duas armas e efetuou vários disparos. Mae usou a mesma técnica para interceptar a ação inimiga. Seis tiros. Então Raul contrariando a lógica de que os tambores possuem espaço para seis balas, efetuou mais um disparo. Ele acertou o peito de sua mãe, abrindo uma flor de carne em suas costas. Os joelhos dela se dobraram por um instante.
— Peguei você! — ele apontou o outro revolver para a cabeça da inimiga.
Não conseguiu puxar o gatilho. Abriu os revólveres num movimento rápido para recarregá-los. Mae fez o mesmo, ainda de joelhos. Ela antecipou o movimento, aproveitando que o filho ainda estava confuso com o impedimento do disparo letal. Raul foi alvejado na perna, tombou para a esquerda.
— Não, caralho! — Mae ralhou com a sua arma.
Tentou se desfazer dela, mas os dedos não lhe obedeciam. A mão automática apontou mais uma vez contra Raul e efetuou novo disparo. Dessa vez foi a vez do policial atirar contra o projétil da bandida para se defender.
— Concentre-se. Esqueça que sou sua mãe! Me acerte pra valer — ela disse com lágrimas nos olhos.
— Do que está falando?
— Do avermelhamento. Ele reage às nossas emoções, não te disseram?
— Não. Só que me deixa mais forte.
— Ele te colocou aqui de propósito. Para que eu te matasse, Raul. Mas você precisa me superar.
— Só fique quieta para eu te acertar.
— Eu não posso. Minhas reações são automáticas.
O policial investiu novamente. Mae foi alvejada por duas balas. Quando Raul ia recarregar a sua arma, ela efetuou dois disparos, acertando-o no peito.
— Pare, por favor! — ela chorou.
— Como isso é possível? Você usou o próprio corpo para economizar balas e reagir quando eu não tivesse como me defender — Raul cuspiu sangue.
A pistoleira tinha lágrima nos olhos, a arma em riste.
— Eu sinto muito — ela disse.
— Não fale como se eu já estivesse morto! — ele disparou mais uma vez.
Mae se moveu automaticamente para que o ferimento não fosse em um lugar mais grave. A bala a transpassou pelo ombro direito.
— Não é disso que estou falando. Sinto muito por ter te abandonado.
— Cale a boca! — ele a alvejou mais uma vez.
Mae havia treinado com Xamã, depois adquirido experiência na utilização do avermelhamento, de modo que sabia dos pontos negativos. Ele a transformava em uma máquina de matar, mesmo contra a sua vontade. Por outro lado, distrações psicológicas confundiam os robôs minúsculos e as reações deixavam de ser eficientes. Sobre a areia daquela avenida abandonada ela sentia uma dor que jamais imaginou capaz de existir. Desespero por querer abraçar o filho, pedir-lhe perdão, mas ser obrigada a matá-lo.
— Você tem que fugir — ela conseguiu dizer.
— Eu passei a vida inteira me preparando para isso! O dia em que eu te faria pagar! Roland me prometeu vingança — ele descarregou suas armas contra a mãe.
— Droga, Raul — Mae falou com dificuldade.
Tombou sobre a areia. O sangue tingiu a aridez. Ela respirou com dificuldade, rezando para que o seu coração parasse de uma vez. Raul Madison sorriu satisfeito, ofegante.
Mae engasgou com o próprio sangue. Olhou para as armas, tinha munição. Deus, não! O zunido aumentou, os ferimentos começaram a se fechar. Ela se pôs de joelhos, depois em pé. Ergueu o braço direito. Engatilhou o revolver.
Um disparo. O sorriso de Raul se desfez imediatamente.
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