25 de junho de 2018

Futuro Seguro


O prazo para Willian Nascimento aderir ao Seguro estava no fim. Deveria assinar o contrato como todo ser que pretendia sobreviver naqueles dias caóticos e egoístas. Entretanto, tem um detalhe que o impede de fechar o negócio: Willian é pobre, esta é a primeira característica deste protagonista. Tal atributo, é preciso dizer, encarecia ainda mais os valores em questão.
Não é segredo que a Seguradora trouxe conforto à população. Entenda, naquele tempo a noção de conforto é diferente da que conhecemos hoje. Para Willian e sua geração conforto é o mesmo que segurança. Isto mesmo, sentir-se protegido, deitar-se em uma cama e ter um sono tranquilo; parar o seu veículo em um local público e encontrá-lo ali ao voltar de um compromisso; a sensação de ter um companheiro fiel; a impressão de que tudo está bem.
O jovem Nascimento, desculpem-me pelo trocadilho infame, nascia cada dia sem a certeza do amanhecer seguinte e não possuía, como é de se esperar, conforto ou segurança, chame do que melhor lhe convier. 
— Willian, não perca esta promoção: adquira já o Seguro Flamejante por apenas 13 mil unidades anuais e evite situações como esta.  
Aquela mulher, cujas feições pertenciam a quem o jovem idealizava como par prefeito, mas que não era humana, tornara-se constante na vida do rapaz; na existência de todos desde os primeiros anos, coisa normal para eles. Em palavras simples, A Sys é uma assistente pessoal onisciente da Seguradora com o objetivo de vender seguros. Ainda complicado? Bem, tente imaginar seu celular sendo uma pessoa de verdade, visível apenas por você, mas totalmente personalizável.   
 Foi engraçado como Willian viu Sys pela primeira vez, numa praça pública aos seis anos de idade. Ela materializou-se para ele como uma criança da sua idade, ofereceu-lhe sorvete, brincaram juntos.  Ao final ela disse a ele:
— Se fizer o seguro poderemos brincar todos os dias.
Willian pediu ao pai que lhe desse este presente, mas Lauro Nascimento não tinha condições. Homem de quarenta e poucos anos, trabalhador braçal e viúvo, ele mesmo não era um segurado e acabou perdendo a vida, aos cinquenta e cinco anos, numa tarde de verão ao sair das dependências da obra em que vinha trabalhando. 
Voltando ao presente e ao trocadilho infame do qual não me orgulho, pois estou ciente de que tratar-se já de um momento decisivo para Willian. O nosso jovem está encurralado por dois estudantes de idade pareada a dele. O diferencial e aqui vem a questão social de toda esta história, consiste no seguro. Ambos, como é de se esperar, são segurados. 
— Então, pobre, últimas palavras? 
Definindo melhor o momento, Willian está no chão desde que comecei a narrar esta história. Ele caiu depois de levar um soco de um dos garotos estudantes. O nome do agressor é Narciso e o seu seguro é de espécie denominada Hipotérmico um dos mais baratos, cuja principal característica é conferir ao seu usuário a capacidade de causar hipotermia em outros corpos pelo toque. Narciso, além de querer testar a potência de sua proteção securitária, deseja limpar o bairro de pessoas como Willian. 
O seu companheiro, calado, um pouco obeso, é mais cauteloso:
— Larga mão, cara. Vamos pra escola, anda!
— Para de ser cagão, Israel. Pobre tem que morrer. 
— Eu sei, mas não vale o nosso atraso. Que ser suspenso?
O soco gelado de Narciso pegou Willian de surpresa porque antes de eu começar a contar sua história ele estava pedindo à Sys (mais uma vez) uma amostra gratuita de qualquer seguro, apenas para se ver livre daquele inconveniente. A resposta daquela vez? Vejam:
— Não, Willian. Você quer me fazer de boba! Que história vai inventar agora? Pai doente, mãe presa, irmão político? Posso relembrar todas se preferir, está tudo gravado no meu banco de dados. Se bem que, não temos tempo para isso...
— Dessa vez é sério, Sys. Eu sei que preciso da proteção definitiva, mas ainda estou indeciso sobre o tipo. Mande-me o de choque, que tal? 
— Cuidado! 
— O que?
O soco.
Willian leva os dedos aos lábios, a sensação não é nova. A mão gelada de Narciso em seu nariz, olho, lábios, por quantas vezes? Sys poderia dizer, mas a assistente não se mantém ativa naquele momento. O que as assistentes dos agressores sussurram para eles? Mate, Bata, Defenda-se. É irônico que a palavra defesa seja interpretada de maneira errônea e signifique justamente o inverso. Irônico, mas comum. 
— Por que não escuta o seu amigo? — Willian indaga a Narciso. — Eu não sou alguém que valha a pena. 
Nosso Willian tem mesmo razão, ele reúne poucas características que fazem jus ao seu papel nesta trama. Conta com dezenove anos de vida, nenhuma instrução acadêmica, um barraco herdado e uma mochila equipada com sua marmita que será sua única refeição para aquele dia. Bem, vejam pelo lado bom: se ele morrer agora, não passará fome mais tarde.  Ao perder o pai, seu único parente vivo, substitui-o na construção, sendo que ia para lá quando foi atacado pelos infames estudantes. Se podemos, então, definir uma habilidade ao nosso homem, seria a de construir imóveis. Sim, Willian é um pedreiro, ofício que aprendeu com o pai e que garante sua parca sobrevivência. O jovem é inteligente, dizem seus companheiros de profissão mais antigos, mas imprudente. Creio que já percebemos isto, não é? 
— Ele tem razão, cara. Já estamos atrasados. 
— Só mais um minuto ou dois, Israel. 
Narciso se aproxima e agarra pescoço de Willian. A pele do jovem pedreiro começa a esfriar, o ar mais gelado, sua cabeça a doer. Seu pensamento? A comida vai mesmo estragar, que tragédia!

Mogi Guaçu, 29 de maio de 2018, Paul Law 

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