4 de julho de 2018

Aos melhores guerreiros as mais difíceis batalhas



Carmem Albuquerque Figueiredo mantinha a porta do seu escritório fechada. Em sua frente papéis eram relidos na ânsia de identificar um erro, uma contradição, uma informação que jogasse por terra tudo aquilo que o tratamento significava. Pesquisas incessantes, possibilidades, mas o espírito estava abalado. Mil pensamentos perpassam por aquele que sabe que possui uma enfermidade grave. 

Detentora de uma rede de supermercados bem-conceituada no país, Dona Carmem, como era conhecida por seus funcionários, mesmo naquelas condições gerenciava os seus negócios de perto. Cinquenta e poucos anos de vida, o trabalho duro, três divórcios e dois filhos tinham lhe ensinado muito. Havia superado todas as dificuldades enfrentadas, pois era uma mulher forte em vários sentidos, mas desleixada com a saúde. Na verdade, não era proposital, só não conseguia arrumar tempo para cuidar do próprio corpo. Então, quando o corpo se tornou prioridade, era tarde demais. 

Assim que os primeiros exames revelaram sua doença, achou que os médicos tinham cometido um erro. Depois, tentou assimilar aquele quadro clínico, acreditando veementemente na cura. Em seguida, começou a pensar em tempo; quanto tempo tinha? Nesta fase, ficou desesperada, afinal sempre considerou pelo menos vinte anos de sobrevida. 

O que tinha dentro de si era algo vivo que se alimentava do seu corpo e do seu espírito. Quanto mais crescia, mais forte se tornava e consequentemente mais debilitada ela ficava. A coisa a devorava incessantemente, mesmo sendo atacada por tratamentos devastadores. 

Decadência. Carmem era avessa a esta condição humana. Buscou benzedores, pais de santo, pastores e líquidos milagrosos, feitos de todo tipo de planta que se possa imaginar. Nada surtiu efeito, mas sua busca começou a se aproximar do caminho certo. Um cartão, uma empresa, um tratamento secreto. Grande quantia em dinheiro seria gasta, mas as possibilidades eram inacreditáveis. 

Uma cura, um recomeço, uma redenção. Obviamente, mesmo fragilizada pela doença, Carmem tinha o cérebro intacto e precisou de muito tempo para acreditar no que lhe era oferecido. Precisou estudar os documentos por muitas vezes. Era o que fazia mais uma vez naquele exato momento.  

E ela pôde escolher o corpo. 

Contudo, o procedimento tinha que ser realizado com urgência, pois sabia que estava morrendo. Morrendo, palavra perturbadora. Carmem não lidava bem com finais. Assim que o seu cérebro começou a organizar ideias de forma coerente, pensou sobre morte. O que havia depois? Cristã por culpa dos pais, aprendeu que as almas boas vão para o Céu e as ruins para o Inferno. Sua primeira solução visando o Céu, foi tornar-se Freira, já que uma vida toda dedicada ao Senhor lhe garantiria um lugar entre os escolhidos, certo? Entretendo o primeiro plano falhou assim que ganhou mais idade. Os sentimentos, os exemplos e então a ideia de que Deus não exigiria tanto de seus filhos culminaram na mudança de ideia. Ser boa, fazer o bem sem ir à Igreja, foi outra ideia que não vingou. O Mercado é um campo que exige muito de seus jogadores. Vencer no ramo empresarial nem sempre é possível sem galgar sobre as costas dos outros. Na verdade, nunca. Usar o tempo de vida dos próprios funcionários em troca de parcos salários já deve ser pecado. Os funcionários serão perdoados, afinal não sabem o que fazem, já Carmem...

A doença é um castigo que Deus lhe mandou, entendia assim. Sua mãe sempre lhe ensinou que Deus castigava aqueles que agiam mal; que pecavam. Era justo. Justo não seria morrer depois de tanto sofrimento. Se Deus é perfeito como acreditava que era não cometeria um erro lógico tão grave, O certo é se redimir depois da dor. Reeducar-se ao invés de sucumbir. Tinha tanto medo de morrer e Deus não seria Deus se lhe mandasse uma das piores maneiras de ser exterminada: aos poucos. 

Aos melhores guerreiros são dadas as mais difíceis batalhas, isto sim. Depôs os documentos, pegou o telefone e discou o número restrito da Copas.

Ninguém a atendeu.

Mogi Guaçu, 07 de fevereiro de 2018, Paul Law 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo. Seu comentário é muito importante!