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Baltazar Salazar sempre estava cansado. Andar cansava; comer também. Respirar? Bem, sabia que não podia ficar sem, mas jurava que era cansativo fazer o ar entrar e sair do seu corpo. Não podia ficar dentro de uma vez? Qual seria a razão de entrar e sair sem permanecer? Só que pensar também era cansativo. Assim vivia ou melhor dizendo: se arrastava pela vida.
Certo dia, cambaleando por uma estrada conhecida por ele, caiu. Caiu e deixou-se ficar, pois dava trabalho se levantar. A noite veio, não estava muito frio, ele se ajeitou do melhor jeito e dormiu, mas não teve sonhos. Pela manhã, sentiu um dedo frio cutucar o seu ombro.
— Ei, moço, tudo bem?
— Bem, bem não estou, só que estava melhor antes de acordar.
— Desculpe-me. Observava o amanhecer, sentindo o orvalho das plantas com os pés, vendo a cor chegar lentamente às folhas. Ouvia a voz dos passarinhos quando te vi caído.
Baltazar se sentou. Coçou a cabeça cabeluda e se espreguiçou. Falou:
— Acordado, fico desanimado. Tudo é tão igual, não acha? O sol nasce na mesma posição e deita-se no mesmo lugar. Eu acho que nasci com algo a menos; como se um osso me estivesse faltando. Não sente o mesmo?
— Não acho que me falte alguma osso — a garotinha ajeitou os óculos escuros nos olhos e apalpou o corpinho — Não vejo problema no sol ter seu lugar de aparecer e desaparecer. As coisas estão onde deveriam estar, mas eu também sinto algo errado.
— Vou vivendo e cansando. Durmo, mas descanso pouco. O que tenho eu, ou melhor dizendo: que não tenho? Que vida é essa que não me empolga?
— Conheço um lugar…
— É longe? Eu fico cansado só de me imaginar caminhando…
— Não é longe para as pernas e eu posso te levar. Garanto que não se cansará para chegar até lá.
Suzi Nogueira adorava aquilo. Mexer com visual das pessoas, cuidar da aparência, mudar de qualquer forma. O seu salão de beleza no Centro da cidade era bem requisitado e rendia-lhe um bom sustento. Era uma mulher alta, ruiva de cabelos curtos e olhos verdes. Aparentava ter uns quarenta anos, usava uma echarpe verde em volta do pescoço e um vestido de verão, branco. Brincos extravagantes enfeitavam suas orelhas e botas negras cobriam os seus pés.
— O que vai
querer dessa vez? — ela perguntou a Treze, enquanto abria sua maleta.
— O de
sempre. Quero parecer normal.
Suzi
sorriu. Conhecia Treze desde o começo. Tiveram um romance há quanto tempo? Seguiram
caminhos diferentes. A cabeleireira havia superado tudo aquilo. Tinha criado
uma vida para si; um nome, não mais um número. Suas habilidades que antes eram
usadas para suavizar o processo de adaptação dos transplantados, agora serviam
a todos os clientes.
As mãos
ágeis da cabeleireira agarraram os longos cabelos dourados de Treze e começaram
a cortar. Em seguida, deu volume e cachos. Por último pintou tudo de preto, num
penteado moderno. De uma pequena caixa de plástico, tirou lentes de contato.
— Adeus
olhos azuis.
Treze não
gostava de se ver, embora tivesse que encarar o seu reflexo para conferir o
trabalho de Suzi. Mudara tanto ao longo dos anos que não conseguia imaginar sua
própria aparência. Não se importava com isso, aliás, mas a experiência tinha
lhe ensinado que os outros se importavam. Não havia negros de olhos azuis,
cabelos lisos e loiros e encontrar com Alanna Soares assim causaria
resistência. Treze precisava de tudo para convencer a atriz do que estava
acontecendo. Até mesmo, fingir ser o que não era.