6 de abril de 2021

Retalho de gente



Suzi Nogueira adorava aquilo. Mexer com visual das pessoas, cuidar da aparência, mudar de qualquer forma. O seu salão de beleza no Centro da cidade era bem requisitado e rendia-lhe um bom sustento. Era uma mulher alta, ruiva de cabelos curtos e olhos verdes. Aparentava ter uns quarenta anos, usava uma echarpe verde em volta do pescoço e um vestido de verão, branco. Brincos extravagantes enfeitavam suas orelhas e botas negras cobriam os seus pés.

— O que vai querer dessa vez? — ela perguntou a Treze, enquanto abria sua maleta.

— O de sempre. Quero parecer normal.

Suzi sorriu. Conhecia Treze desde o começo. Tiveram um romance há quanto tempo? Seguiram caminhos diferentes. A cabeleireira havia superado tudo aquilo. Tinha criado uma vida para si; um nome, não mais um número. Suas habilidades que antes eram usadas para suavizar o processo de adaptação dos transplantados, agora serviam a todos os clientes.

As mãos ágeis da cabeleireira agarraram os longos cabelos dourados de Treze e começaram a cortar. Em seguida, deu volume e cachos. Por último pintou tudo de preto, num penteado moderno. De uma pequena caixa de plástico, tirou lentes de contato.

— Adeus olhos azuis.

Treze não gostava de se ver, embora tivesse que encarar o seu reflexo para conferir o trabalho de Suzi. Mudara tanto ao longo dos anos que não conseguia imaginar sua própria aparência. Não se importava com isso, aliás, mas a experiência tinha lhe ensinado que os outros se importavam. Não havia negros de olhos azuis, cabelos lisos e loiros e encontrar com Alanna Soares assim causaria resistência. Treze precisava de tudo para convencer a atriz do que estava acontecendo. Até mesmo, fingir ser o que não era.

— Ótimo — falou Suzi. — Ninguém vai perceber que você é um retalho de gente. 

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