31 de março de 2015

Tomo III - O nome verdadeiro



Como é mesmo o nome da menina? Sempre tivera problemas com o nome. Naquele tempo, ninguém a chamava por ele. Seus irmãos, sete, todos homens e mais novos, a apelidaram de Mamie. Residente em um sítio afastado das cidades passava os dias trabalhando em casa, ajudando a mãe com os afazeres de casa. Não ia à escola. Os livros que se encontravam nas estantes da sua velha casa nunca passaram de objetos de enfeite. Não era permitido e nem útil estudar. Trabalharia na roça, em casa, arrumaria um marido, teria filhos e só. 
O pai, Andrew Dickson, sujeito rude, nascido e criado na roça conduzia a família com justiça e severidade. Homem de poucas palavras e muito trabalho, andava sempre com o revolver preso à cintura. Dizia que servia para reforçar as suas palavras. Pelas redondezas, todos o conheciam. A mãe, Mirian, era a filha no futuro e nem desconfiava que fora dos limites da lavoura as coisas eram completamente diferentes. Analfabeta, casada, responsável por muitos filhos e totalmente submissa ao marido. Ia com ele trabalhar na pequena lavoura que possuíam. Os seis irmãos tinham diferença de nascimento de um ano e os que podiam, eram levados para o trabalho junto da mãe. Os menores ficavam em casa com a irmã mais velha. 
— Como é mesmo o nome da menina? 
Todos na sala se entreolharam. 
— Mae — disse Andrew, retificando sua resposta anterior.
— Certo. Veja bem, senhor Dickson, é um ótimo negócio. Como valor que estou oferecendo dá para manter toda a sua família. 
Eram tempos de escassez. Não fazia muito o mundo havia acabado. Não chovia o suficiente para o desenvolvimento das plantações há vários anos. Era proibido usar sistema de irrigação e a família comia pouco, apenas o que conseguia sobreviver ao calor, cultivado na pequena horta. Cada ano, menos. A situação era parecida em todos os sítios vizinhos e a forma com a qual alguns agricultores conseguiram sobreviver foi negociando suas filhas aos xerifes da cidade. Em Runner, por exemplo, cidadezinha a doze quilômetros dali, haviam a empresa do ramo de confecção. Ruben Madison, cujo traseiro gordo ocupava quase todo o sofá da sala de Andrew era o dono.
O chefe da família suspirou. Acendeu um cigarro de palha. Não estava certo fazer aquilo, embora tivesse ouvido várias histórias assim. A própria filha do dono da mercearia onde comprava o fumo, tinha ido para uma cidade sob este pretexto. O correto era casar Mamie com um rapaz ali da região, como tinha planejado. Mas e se este rapaz já estivesse morto de fome? Mantê-la ali mais os seis filhos por mais algum tempo ocasionaria a falta de alimento para todos. Como dizer isso a um filho? Como explicar que não pode mantê-lo consigo por causa dos outros? Eram tempos difíceis para as famílias da zona rural. Para todo mundo...
— Veja bem senhor Madison, eu vou precisar desse valor à vista. 
O xerife se ajeitou no sofá desconfortável. 
— A sua filha, com todo respeito, é uma mercadoria que muito me interessa e apesar de não costumar proceder desta maneira, vou abrir exceção.
— Ótimo.
O lavrador saiu da sala. Não queria que o vissem chorar. 
Mamie não levou nada do casebre que residia. Somente a roupa do corpo, um vestido florido que usava há vários anos, agora apertado no meio do corpo e curto na saia. O pai não lhe disse nada, a mãe chorou muito e os irmãos não entendiam o que estava acontecendo. Ela também não. 
A viagem para Runner foi feita em uma carruagem de luxo, puxada por dois cavalos geneticamente alterados para resistirem melhor ao deserto. 
— Você terá tudo, menina — sorriu-lhe Ruben Madison enquanto observava o portal de entrada da cidade.
Runner ficava a trezentos quilômetros da capital Neo Texas. Era afamada por fornecer roupas a várias cidades de Novo Oeste. Não que existisse muitas para serem abastecidas, pois com o evento que os historiadores batizaram de Fim do Mundo, os oceanos afundaram quase que integralmente os continentes. Um dos pedaços de terra que sobreviveu ao degelo dos polos, apesar de não se localizar a oeste, foi batizado de Novo Oeste. 
Madison era o único dono da Tecelagem, o nome da empresa que providenciava vestimenta para a população regional e dizia mesmo a verdade. Sua empresa além de útil e rentável era protegida por policiais.  Ele podia dar de tudo a sua escrava, como eram conhecidas as meninas compradas por quem pudesse pagar o preço. 
Não haviam muitas mulheres e daí o comércio das existentes. O motivo era mais complexo do que a genética pode explicar. Nenhum registro oficial, mas havia uma história de que antes do Fim do Mundo as mulheres eram maioria e se mostraram mais eficazes do que os homens nas tarefas intelectuais. Os machos foram requalificados para as funções que exigiam mais força física do que cerebral. Para perpetuarem a supremacia, as mulheres fizeram uma alteração no próprio DNA, a fim de conceberem mais homens, ou seja, mais mão de obra. Segundo estudos da capital a proporção atual é de seis por uma. Assim, para cada mulher, nasce seis homens. 
Ruben Madison como a maioria dos homens das cidades, não era casado, mas tinha alguns filhos com parideiras, um tipo de serviço praticado por homens e mulheres, cuja função era fornecer ao contratante a possibilidade de ter um filho sem necessitar de companheira. Em outras palavras, era possível alugar uma barriga capaz de gerar um herdeiro. Como isso se daria variava entre o raro sexo e a convencional inseminação artificial, assim como os preços. Alugar a barriga de um homem era mais barato, já que a oferta era maior. Madison pagou mais caro, fechou contratos com uma mulher. Quando teve recurso pagou pelo sexo, quando não, optou pela inseminação simples. Tinha quatro filhos, todos gerados pela mesma parideira que trabalhavam na Tecelagem. 
Já perto da aposentadora, tinha se dado ao luxo de comprar a sua própria escrava. Poderia utilizá-la a vontade e fazer um bom dinheiro com ela depois. Não faltavam opções: alugar para terceiros, transformá-la em parideira. Os seus filhos, experimentariam os exóticos prazeres da carne, já que tinha quase certeza que nenhum deles havia feito sexo alguma vez. E como era bonita a menina! 
Mae desceu da carroça em frente as escadarias do palácio de Ruben Madison. Não era de muitas palavras, mas não pôde esconder sua admiração.
— Uau. 
— Venha — Ruben a puxou pelo braço.

23 de março de 2015

La Bandida: A Lei do 30 - desenho

Os amigos que acompanham o blog já perceberam que há alguns dias comecei a postar capítulos de uma história nova.  Trata-se de uma tentativa de construir uma nova história no mundo de La Bandida. Veja os capítulos postados:




A seguir um esboço que fiz de Mae Dickson a "nova La Bandida". 


Vocês poderão acompanhar as postagens no marcador "A Lei do 30" no menu categorias (à esquerda). E aí, o que acharam? 
Abraço.
      

20 de março de 2015

Caminhando e.. o quê mesmo?

 

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Olá amigos bípedes e pensantes. Aqui quem vos fala é o excremento de sempre: Fezesmen. Nosso papo de hoje será sobre objetivos, motivações e ações. O que te move de verdade? O que te fez acordar esta manhã? O que te levou á protestar; a assistir Babilônia? E a parada da capa da revistinha, o que pensa sobre isso?

Eu acho que todas estas coisas estão ligadas. Vocês vivem uma época curiosa; de transição, de mudança. O problema aos meus olhos de bosta é que não sabem para onde estão indo. Mudando pra quê? Embora o desejo de mudança esteja em alta e é totalmente coerente, fruto de décadas vividas de um modo que já deu o que tinha de dar, não sabem ainda o que desejam. Se isso é um problema? Mas é claro que sim! Pense comigo: bato o pé, reivindico meus direitos, quebro tudo ou não, mas não sei o que quero depois que me escutam. O pessoal já sacou isso e a moda agora é dizer sobre diálogos. Vamos dialogar; abrimos consulta pública para saber o que se espera da Educação. Ora podem abrir zilhões de canais de diálogo, não vai adiantar nada. 

Em relação aos preconceitos é a mesma coisa. A capa da revistinha é machista! A novela tem beijo gay toda hora! O Levi foi condenado por suas declarações homofóbicas! Amigos, o que vocês esperam da sociedade daqui em diante? É só pensar… Depois superar. Não há lugar para machismo quando se respeita qualquer pessoa. O mesmo vale para os homossexuais, negros e amarelos. Ninguém é obrigado a gostar, mas dignidade é coisa que todo ser humano tem e deve ser respeitada. Hoje vocês respeitam mais um cachorro do que certas pessoas e acham isso “normal”. Hoje vocês não ligam para exemplos televisivos de condutas deploráveis como assassinatos, putaria etc. e criticam o beijo de duas velhas.   

Não tem como ter os pés firmes no velho e pregar o novo. No mínimo é incoerente, raso. É preciso estabelecer (e entender) o que se quer e colocá-lo em prática de maneira natural. Se for a vontade de vocês que tudo vire uma merda só, tudo bem. Mas que seja uma merda que faça sentido, o que não se vê por aí.

Grande abraço fecal.

Fezesman é cocô, levemente amarelado, ácido e mau cheiroso.

18 de março de 2015

Tomo II - Metade gente, metade máquina


Um tapa. O braço direito de Mae automaticamente sacou a arma e encostou o cano na cabeça do agressor. O zunido agudo emanou daqueles dois corpos. A mulher estava deitada e sobre ela um homem grande. Os olhos de ambos, fixos. A respiração rápida. Ela o empurrou.
— Está maluco? Eu poderia ter te matado.
— Eu me defenderia. Bem, acho, sei lá — ele se senta ao lado.
O revólver foi devolvido ao seu local de origem e os olhos de Mae voltaram a coloração verde. Então ela se coloca sentada e faz o reconhecimento do local: A tenda, uma delas.
— O que houve?
— Você apagou quando cheguei. Até quando vai ficar fugindo de mim?
— Eu não estava fugindo.
O caubói não pôde esconder o riso. Depois disse:
— Vamos a minha carroça.
Ambos se levantam. Mae sentia o ferimento do ombro, pois a bala ainda estava alojada em seu corpo. Procurou não demostrar a dor e caminhou ao lado do homem conhecido até uma carroça a frente. Nas ruas outras pessoas exploravam a vila ou montavam tendas. Não eram muitos. O grupo de Damian Wayne não tinha mais do que seis caubóis.
— Deve estar doendo pra cacete — falou Wayne ao abrir a porta da grande carroça metálica.
— Deite-se — ele disse.
— Faça algo que dure dessa vez.
Damian sorriu novamente. Respondeu:
— O problema não é o que eu faço, mas o que você faz do que eu faço.
— Fale a minha língua.
— Esqueça.
Mae deitou-se.
O pistoleiro examinou os desenhos em verde neon que serpenteavam os braços e abdome. Era como se as veias brilhassem sobre a pele.
— Você realmente não aprendeu nada sobre a avermelhamento, não é?
— Vai começar com aquela baboseira de que os obsoletos inventaram mine-robôs que interagem com o corpo humano?
— Não, Mae. Você sabe. Só vou comentar sobre os efeitos visuais de que as coisas não estão bem. Vê a tonalidade do verde? — ele apertou o braço da pistoleira.
— Não tenho tempo para ficar observando se está mais ou menos verde, Damian.
— A avermelhamento é um instrumento para te ajudar a sobreviver. Precisa conhecer suas ferramentas! Ela é como os revolveres que porta na cintura, além de funcionar em conjunto com eles. Sem manutenção e cuidado, não vai funcionar.
Após o sermão pediu para Mae abrir as mãos e analisou os pulsos. Havia dois orifícios pequenos, um em cada punho.
— Você perdeu muito sangue, por isso o verde perde tonalidade.
— Eu sou constantemente baleada. Antes de chegar até aqui havia sido atacada por diversas vezes. Tudo estava funcionando bem até o tiro de fuzil.
— Eu já não te disse que a imprudência mata? — Damian acendeu um cigarro.
Depois puxou dois canos metálicos que estavam enrolados, posicionados lateralmente e os plugou nos pulsos de Mae. Em baixo do divã localizava-se um pequeno tanque de metal de onde saíam os tubos.
— Os obsoletos tinham um sistema parecido com este para passar sangue de uma bolsa ao corpo de uma pessoa — ele comentou.
— Os antigos podiam fazer o que queriam — Mae devolveu.
— Parece que hoje você tirou o dia para repetir o que já conversamos.
— Não estou repetindo, só não me conformo. Ainda me assusta o fato de não poder ser eu quando estou em combate.
— Você é você sempre. Acha que ganhar campo aberto no meio de um tiroteio não é coisa sua? — falou Wayne.
— Você me entendeu, Damian.
O caubói mantinha os olhos numa pequena tela que estava pendurada ao lado do divã.
— O número de nano-robôs estabilizou. Você já pode se queixar com propriedade.
Mae puxou os tubinhos dos pulsos. O verde-neon das suas linhas brilhavam com intensidade.
— Não adianta reclamar.
— Mae é sério. Você vai acabar tendo o que deseja.
— Eu não tenho desejos. Eu só preciso lutar para me manter viva, não é assim?
— Matar ou morrer — Wayne apagou o cigarro contra a parede metálica — Agora saia da minha carroça.
A mulher deixou o local sob o olhar do líder daquele grupo de bandidos. Quando a porta se fechou ele sacou o maço do bolso para um segundo cigarro.
Lá fora Mae também tinha um cigarro entre os lábios e o pensamento no dia seguinte. Quantos mais sobreviveria? Sorte ter sido alcançada por Wayne ao invés de mais inimigos? Quem queria enganar, o maldito estava lhe seguindo. Estava tentando protegê-la e isso a deixava com ódio dele. Não era mais a menina da lavoura que fora vendida pelo pai para que o resto da família não passasse fome. Por falar nos pais, veio-lhe à mente aqueles acontecimentos

16 de março de 2015

Adicionado o quarto capítulo de Estela

 

O livro Estela está passando por duas fases importantes para então ser definitivamente publicado. Uma delas é a leitura beta e a outra a revisão com base nos resultados obtidos dos leitores. Enquanto essas duas coisas acontecem, libero mais um capítulo do livro para leitura. Já são quatro disponíveis no Wattpad. Eis o link do livro:

http://www.wattpad.com/story/27815467-estela

O capítulo novo se chama “Onde está minha casa?” e aqui está o link direto dele:

http://www.wattpad.com/111680093-estela-cap%C3%ADtulo-4-onde-est%C3%A1-minha-casa

Espero que apreciem a leitura. Abraço. 

9 de março de 2015

As minhas mulheres



Nunca fui de produzir texto ou reflexão oportuna. Acredito que a liberdade é um dos pilares principais àqueles que pretendem usar as palavras. É por ela e com ela que me senti à vontade para escrever sobre as mulheres. Faço-o com um pouco de “conhecimento de causa”. Como marido e pai de duas.

As mulheres, pelo que observei das que convivem comigo, são seres impressionantes. Conseguem realizar várias tarefas ao mesmo tempo, coisa que para nós homens, salvo algumas exceções (eu não), é impossível. Também há de se falar na capacidade de induzimento que elas possuem e as várias formas de convencimento que aplicam cirurgicamente. Quem nunca foi convencido por uma mulher que atire a primeira pedra (se ela não te convencer a desistir, claro).

Outro requisito importante e talvez até mais para elas do que para nós: a beleza. Que graça há em uma mulher! que forma indescritível de movimentar o corpo, de portar-se; de falar. Doce, meiga, amorosa, guerreira, furiosa ou faceira. Nunca entendi bem o significado dessa palavra. Faceira, embora signifique alegre, feliz e até mesmo jeitosa, me parece muito mais uma mistura de traiçoeira com encantadora. Encantadoramente traiçoeira. Sublime, fascinante, tão instável como uma bolha de sabão. Daí: frágil, passível de ruir num instante. Um quê de “olhos de ressaca”. Mistério. Melancólico e indecifrável mistério. Assim são as minhas mulheres.

O que mais me faz admirá-las é a formidável capacidade que possuem de “guiar homens”. Aquela que gera, que cuida, que ensina. Não há função mais nobre na humanidade do que formar pessoas. É evidente que tal habilidade não é exclusiva das mulheres, mas o mundo está cheio de exemplos de que são as melhores no quesito. Meu apelo final, longe do machismo, é de que se valorizem mais neste papel. O mundo precisa de mais verdadeiros líderes não importa o sexo. O mundo precisa de mais pessoas que possam ensinar; dar o exemplo. Caráter, este é um dever de todos.    

Abraço.




5 de março de 2015

Tomo I - Procurada, o tempo todo



O bar, um lugar há muito sem limpeza, cheirando a cerveja velha não tinha muitos frequentadores. Um local público, onde era possível encontrar o alvo desejado. Mae Dickson deixara o casaco na entrada e degustava sua cerveja. As marcas nos braços e pescoço denunciavam-na.
O barman, trêmulo, limpou a poça de líquido dourado do balcão. Os poucos frequentadores não ousavam dizer uma palavra. Foi Mae quem o fez:
— Eu sei que somos problema, mas não há outro modo de resolver isso.
O homem assentiu bruscamente. Fez um sinal para que os fregueses deixassem o local. Todos saíram rapidamente, deixando as bebidas pela metade. A mulher esquadrinhou o ambiente, enquanto terminava de beber. Voltou-se ao dono do bar.
— Eles me caçam e eu faço o mesmo com eles. 
O portal duplo do estabelecimento se abriu, as marcas no corpo de Mae Dickson mudaram de verde para vermelho e um estranho som agudo ecoou pelo salão.
Ela subiu no balcão com agilidade e deslizou por ele até o local seguro. Vários disparos foram efetuados e inúmeras garrafas quebradas.
— Saia daí, bandida! — era uma voz grossa.
Mae observou o homem que lhe servira bebida há pouco. Ele parecia estar tendo um ataque do coração. Pediu-lhe desculpas silenciosamente. Sacou os dois revolveres do coldre e fez o sinal da cruz com a arma da direita.
Correu para a ponta do balcão e subiu nele num movimento rápido de pernas. Lançou os braços para frente e com velocidade puxou os gatilhos matando todos os seis homens.
— Duas balas, seis alvos. Se continuar assim vou ficar sem munição.
Ela ofegava, o barulho do seu corpo diminuía. Quando cessou, os riscos das costas e braços voltou a coloração verde neon. As armas foram devolvidas ao coldre. Mesmo que as marcas do avermelhamento não reagissem ao perigo, ela sabia que ele ainda não havia acabado.
Caminhou até a saída. Pôs o chapéu negro na cabeça, mas deixou o casaco onde estava, afinal era preciso ser encontrada pelos inimigos para matá-los. Assim que colocou o pé na areia da rua, um tiro de fuzil atingiu o seu ombro esquerdo e a arremessou de volta à varanda do bar. Ela gritou de dor, enquanto o corpo expelia o projétil. Sangue.
Manteve-se de joelhos, as marcas do corpo deveriam estar completamente vermelhas, mas apenas metade delas estavam ativas.
— Oh merda.
O lado esquerdo não avermelhava. Era totalmente vulnerável naquela parte do corpo. Um tiro no peito e era o fim. Já perdera a conta dos tiros que levara.
Ficou ali, apenas com a arma da direita em punho. Era preciso descobrir o local do franco atirador. Fechou os olhos e rezou para que os minúsculos robôs do seu sangue fizessem o seu trabalho. Era tão difícil saber até que ponto aquela tecnologia instalada em seu corpo era alheia a si mesma. A linha que separava o avermelhamento da sua imaginação era tentadoramente perigosa.
O reconhecimento do local foi feito. Em cima da delegacia, um homem. Nas ruas mais dez pistoleiros e um deles avermelhado, vinham em sua direção.
— Deixe fluir, Mae — ela disse ao sair do esconderijo com a arma em punho.
Os olhos rubros identificaram rapidamente o franco-atirador. Ela disparou contra ele enquanto corria para um novo abrigo.  Os primeiros pistoleiros que vinham em sua direção atiraram, mas Mae se protegeu atrás do bebedouro dos cavalos. Esperou o momento certo para se erguer e atirar. O disparo transpassou três inimigos. Sem se abaixar atirou novamente e derrubou mais quatro. Quando foi se proteger, já calculando a vulnerabilidade, recebeu um novo disparo no ombro esquerdo.
Sabia que a bala agora permaneceria ali. Mais ainda: o pistoleiro avermelhado fora o autor do disparo.
— Ele sabe que não estou 100%.
Um inimigo se aproximou do bebedouro, Mae usou o seu punhal para matá-lo. Quando o outro foi defender o amigo, ela atirou a faca.
— Bravo! — o pistoleiro remanescente batia palmas — Você vale o desafio.
Mae continuou silente. A hemorragia do ombro começava a preocupar.
— Saia, Mae Dickson. Se o seu avermelhamento estiver funcionando com probabilidade, você sabe que já está morta.
Mae não havia experimentado, mas não precisava de recursos especiais para saber que estava enrascada.
— Sabe que posso mandar uma bala precisa para a sua posição. Desista e deixe-me vê-la morrer.
Todas as balas quando se está avermelhado são precisas, otário! Foi o que Mae pensou após ouvir o oponente. Tinha de agir rápido.
— Ok! — ela se levantou com as mãos para o alto.
— Ah, Mae! Como sonhei com este momento — ele apontou o revólver na direção da inimiga — alguma última palavra?
— Vá para o inferno! — ela sacou rapidamente a arma do coldre direito e disparou certeira contra a cabeça do inimigo.
— Aprenda, não há tecnologia que supere o descuido.
— Eu ia dizer o mesmo para você.
Mae se virou rapidamente na direção de quem lhe falou. Quando reconheceu a pessoa, abaixou a arma.
— Não enche, Damian.
Desmaiou.

2 de março de 2015

Auto-engano de Eduardo Giannetti


A verdade dói

O economista Eduardo Giannetti não precisa de mais do que 254 páginas para provar que vivemos uma terrível (e inevitável) mentira quando o assunto é o que pensamos sobre nós mesmo. Em sua obra “Auto-engano” ele discorre sobre o processo da auto-mentira e o impacto que ele tem em todos os seres humanos.

Será que o conceito que você tem de si, corresponde com o que realmente és? Se não corresponde, seja lá por qual motivo você possa se convencer disso, o seu auto-julgamento está distante do que és de fato? Como, afinal de contas, é possível saber o quanto nos enganamos e por que o fazemos? São estas questões que Giannetti elucida em sua obra filosófica.

Para você ter uma ideia sobre o processo de auto-engano é necessário elucidar o que entendemos por mentira. Mentira é o que não é verdade. Mais ainda, é o que não é verdade e sei que não é verdade. Neste contexto não basta para a mentira ela não ser verdade. Para que funcione, é preciso que o mentiroso tenha plena consciência de que o que conta, não ocorreu necessariamente. Há duas premissas aí e é fácil alcançá-las no convívio social, afinal o objetivo da mentira é ludibriar os outros. Agora tente levar tudo isso para o campo individual. Tente mentir para si mesmo, é possível? Para que eu possa mentir para mim mesmo preciso me convencer de que a mentira não é mentira, pois só assim ela passará pelo meu juízo de valor. Em outras palavras, num primeiro momento minto e sei que estou mentido. Num segundo, esqueço-me de que minto e aceito a mentira como verdade, por mais contraditório que isso possa parecer. No terceiro e definitivo (e que justifica, pelo menos para mim toda a contrariedade dos momentos anteriores) ela me faz bem. O desejo de todo mundo é ficar bem, daí a essência do auto-engano.

O autor vai muito além desta precária demonstração da mentira para si mesmo. Faz uma análise histórica e científica do processo de auto-engano e o quanto ele foi (e é) importante. Uma obra filosófica com tema específico e bem desenvolvido. Um convite irrecusável para pensarmos sobre nós. Porque eu não sou um robô.

Fica a resenha e a dica.
Abraços.