27 de agosto de 2014

Gotículas de tudo



As gotículas de chuva escorriam preguiçosas pelo vidro do furgão. Já era noite, Ester estava cansada. Observava os rabiscos de chuva no vidro toda vez que um farol iluminava o interior do veículo. A mãozinha direita espalmava a superfície transparente, numa brincadeira impossível. Ela controlava os desenhos que formavam com o escorrimento da chuva sobre o vidro. A escuridão lhe tirava a visão, mas a brincadeira estava salva. Ela acontecia  em sua mente.

20 de agosto de 2014

Max e os Felinos de Moacyr Scliar

 

O menino e a fera originalmente falando

Max e os Felinos é obra do saudoso autor Moacyr Scliar, cuja notoriedade se deu palo fato de supostamente ter sido plagiado por Yann Martel em seu Life of Pi. A comparação das duas histórias se tornou inevitável pelo fato de em ambas o leitor se deparar com a seguinte situação: um bote à deriva contendo um garoto e um felino de grande porte. Já resenhamos “As Aventuras de Pi” e você pode conferir a postagem aqui. Agora é a vez de “Max e os Felinos”.

Max é um menino alemão, filho de um rígido comerciante. Na loja da família há um tigre abatido por seu próprio pai em uma de suas caçadas e empalhado como troféu. O garoto é fascinado pelo animal que mesmo morto ainda é assustador e incrivelmente bonito. Enquanto aprende a lidar com o fascínio e medo que tanto o tigre como a vida exige, Max vivencia um período delicado da Alemanha: a ascensão nazista. O protagonista também se envolve com uma mulher mais velha, Frida com quem é iniciado na arte do amor. Junto dela que é esposa de um nazista e de um amigo crítico ao regime de Hitler, ele acaba se vendo na mira do regime. Tudo é muito rápido, a traição de Frida é descoberta, sua família está sendo ameaçada, ele próprio não tem muitas alternativas. Max acaba fugindo da Alemanha para preservar a sua vida e a dos que ama. O seu destino é o nosso Brasil, mas um terrível naufrágio acontece na viagem, colocando o menino em um bote junto de um perigoso jaguar. O cargueiro transportava animais de circo que desembarcariam no Brasil.

Este é o ponto no qual a ideia usada em Pi parece ter origem, embora as histórias se desenrolem de forma diferente. Advirto que o texto a partir de agora pode revelar parte importante do enredo do livro e aconselho quem quiser manter a curiosidade a interromper a leitura. Em Max e os Felinos o protagonista chega ao seu destino e a história continua após o incidente com a fera. Obviamente tal situação, unida ao seu passado traumático (a saída prematura da sua cidade natal e o abandono da sua família) marcou-lhe profundamente. Paranoico? Maníaco? Amedrontado? Max jamais esqueceu o que aconteceu e suas marcas deram-lhe as condições para que agisse da forma que agiu no fim da história.

Em Max nos deparamos com um enredo voltado aos problemas sociais; à política, ao autoritarismo, ao “belo e perigoso”, aqui representado ora pelo tigre empalhado, ora pelo jaguar vivo e faminto. Crítico sutil, pertinente e incisivo nos assuntos que não se podia tratar livremente, já que vivíamos o período da Ditadura Militar, o nosso próprio jaguar a solta da época. Inteligente e maduro, Scliar não se preocupa em narrar em detalhes o que de fato ocorreria se um menino permanecesse com um jaguar perdido na mar. Sua atenção está voltada ao efeito psicológico que tal situação teria. Este efeito também não é da simples loucura como narrado em Pi. Trata-se de algo mais denso que entendo como metáfora ao cenário social vivenciado entre governantes e governados.

Simbólico em muitos pontos, peço licença para listar um, o dos peixes, no qual Max divaga sobre sua posição de pescador, cuja finalidade é a única de manter o jaguar alimentado para que não venha a comer-lhe. Mesmo faminto e na posse do peixe, o jovem não pode se alimentar, já que todos os peixes são da fera. Curioso é que mesmo saciado o felino não permite que Max se alimente. Que animal cruel é este que apesar de satisfeito ainda não permite que os outros se mantenham vivos? Que anima é este que sempre quer mais? Que animal é este que permite ao bicho mais fraco viver constantemente em perigo de morte imposto por sua presença assustadora ou pela fome? Seria mais justo que o jaguar lhe tirasse a vida de uma vez…

Moacyr Scliar tem propósito distinto de Martel, embora ambos usem a mesma imagem para chamar a atenção do leitor. Enquanto Max é compatível com um cidadão fragilizado pelo Estado, Piscine não passa de um religioso em dúvida do que é certo e propenso ao fantástico. Neste sentido, a saga de Martel abusa muito mais dos detalhes de um naufrágio e da situação peculiar da fera e o barco do que Scliar, deixando claro que uma ideia foi lapidada aqui. 

Resumindo, Max e os Felinos é mesmo o primeiro cenário para um animal selvagem e um garoto dividirem o bote no meio do oceano. Entretanto, sua abordagem é distinta do cinematográfico Life of Pi que tem seus méritos. Moacyr dá o seu recado em poucas páginas e trabalha muito bem o subentendido; o não dito, tornando Max e os Felinos um livro que não termina. Leitura recomendadíssima.

Fica a resenha, a sucinta comparação e a dica.

Abraço.

6 de agosto de 2014

“A Essência de Uma Vida” já tem data de lançamento


O autor Lucas André convida todos os seus amigos, familiares e leitores para o lançamento do seu livro “A Essência de Uma Vida”. O evento acontecerá no dia 20 de setembro de 2014 às 15h no CECOM (Centro Comunitário da Vila Dias). O evento conta com o apoio do referido CECOM e da Academia Guaçuana de Letras.

Para quem quiser conferir um sonho se tornar real, deve comparecer ao CECOM, na Rua Chile, n°220 – Vila Universitária – Bairro Mirante – Mogi Mirim/SP no horário já mencionado. Na oportunidade, membros da Academia Guaçuana de Letras farão uma pequena apresentação.

Eis a capa definitiva no livro:
capa    

Eu vou estar lá e você? Lembrando que trata-se de um livro de baixa tiragem e que não terá, a princípio, outro evento de lançamento.

Abraço.

4 de agosto de 2014

Quem é um bom pai?



Muitas vezes me pego refletindo sobre o papel de pai. Penso no que ele representa verdadeiramente. Obviamente, só posso ter alguma noção quando assumo novamente o meu papel de filho. Não há outro modo de se fazer isso, creio, pois os meus olhos, embora míopes para a essência da vida, são só meus. São meus melhores navegadores. A ideia que me vem é simples: ser o pai que gostaria de ter tido.

Simples e acessível a todo mundo, mas insuficiente. Quem é um bom pai? É alguém que realiza todos os desejos do filho? Todo mundo sabe que não. É aquele que dá educação, valores e disciplina? Ainda que tudo isso seja fornecido ao filho, não há garantias de que ele viverá bem e consequentemente de que teve um bom pai. O pai correto é aquele que apresenta prematuramente ao filho o mundo, para que aprenda por si mesmo como sobreviver? Seria crueldade se o filho não conseguisse sobreviver, devido ao fato de lobos maiores comerem o seu pedaço de ovelha. 

Então quem é um bom pai? Eu não sei, mas não me incomodo com isso. Acredito que ser pai está perdido no próprio conceito de unidade familiar por mais piegas que possa parecer. Um ente, um participante, um membro da família, só isso. Sob esta ótica ele é visto mais parto da sua essência. Torna-se importante quando começa a agir, já que seus atos são vistos por seus filhos que repetirão boa parte daquilo que observam. Ter consciência disso significa ser responsável. Suas ideias, valores que já vieram de outros pais, vão passando naturalmente para outros filhos, num compartilhamento universal de identidade. Apesar de não ser o seu pai há mais dele em você do que imagina. Há todos os outros pais da sua família compilados em você, não é incrível? Isso pra falar só de pai… 

Deduzo que ser pai é isso. É ser um monte de gente dentro de uma pessoa, cuja finalidade não é outra senão se juntar a um novo pai, o seu filho. É a dança misteriosa da Vida, que tem os pulmões do Tempo. Coisas que se juntam para depois se separarem e se juntarem novamente.

Este pai está nos olhos das suas meninas e gosta muito de se observar ali.
Paul Law