29 de outubro de 2015

Doctor Who - Doze Doutores, 12 histórias


Doze visões do Doutor Quem

Doctor Who é uma série britânica há mais de cinquenta anos no ar, que tem por personagem principal "O Doutor", um alienígena com aparência humana que possui a capacidade de se deslocar no tempo e espaço com sua nave especial em forma de cabine telefônica dos anos 50, chamada TARDIS. Muita gente conhece o fenômeno cultural "Doctor Who" e sabe que a série atravessa décadas. Para marcar seus cinquenta anos, foi produzido um episódio especial e um livro.

Doctor Who, 12 Doutores, 12 Histórias é a reunião de contos com a dúzia de Doutores que já passou pela telinha. Desde os oito clássicos até os quatro últimos modernos. Para os desavisados, o Doutor muda de aparência ao longo do tempo, num processo chamado regeneração. Todas as células do seu corpo são trocadas e ele se torna outra pessoa (literalmente). Daí o porquê da existência de doze Doutores. A premissa dos contos é resgatar as especialidades de cada versão do Doutor, usando para isso os principais personagens da cada época. Doze escritores de ponta são responsáveis pela coletânea, dentre eles Neil Gaiman. O destaque acaba mesmo ficando com o conto de Gaiman, intitulado de "Hora Nenhuma" por ter uma abordagem concisa e coerente com o 11° Doutor (Matt Smith).

Inimigos mais conhecidos do Doutor não são recorrentes nos contos. Quase que o exótico e surpreendente Dalek passa batido. Palmas para a escritora Malorie Blackman que se lembrou dele. Aliás, não foi o único a se sair bem com as peculiaridades do personagem. A forma como alguns trabalharam o momento do conto, foi genial. Neste ponto Charlie Higson se saiu muito bem. O atual Doutor que na série é interpretado por Peter Capaldi acabou ficando com a escritora Holly Black, conhecida dos leitores atuais por sua série fantástica "As Crônicas de Spiderwick".  

Em suma, 12 Doutores, 12 História entrega o que promete e é peça essencial na coleção de qualquer fã da série. Para quem não é tão conhecedor deste universo (o que é o meu caso) a leitura do livro pode dar uma boa noção do que é Doctor Who.

Fica a resenha e a dica.      
    

27 de outubro de 2015

Fezesman no Letra e Cultura

O Letra e Cultura é um jornal regional especializado em Cultura. O pessoal manda muito bem, trazendo agenda de eventos, artigos de opinião e resenhas. O jornal é mensal e eu estou nele na coluna "Crônicas de Fezesman", onde desenho as tirinhas do meu singular personagem. Até agora saiu uma tirinha no jornal de outubro, confira:


Tem mais coisas sobre ele no site do jornal:


Quando eu era adolescente ansiava por ver os meus singelos desenhos publicados pelos jornais aqui da cidade. Ia de porta em porta mostrar o Fezesman e suas peripécias aos responsáveis pelo veículo impresso de comunicação, mas nunca consegui aprovação. O sonho se realiza agora e da melhor forma possível, num jornal sério e voltado exclusivamente para a Cultura. 

Leia o Letra e Cultura. Veja o Fezesman. 

Abraço. 


  

26 de outubro de 2015

O Festival de Literatura começa hoje



O evento de grande proporção organizado por novos escritores nacionais começa hoje. Veja no site oficial os autores participantes:


Ocorrerá entrevistas, bate-papo, sorteio de prêmios. Eis o link do evento:


E a programação:

26/10 - 9 hs - Abertura Oficial.
26/10 - a partir das 10 hs - Posts com as entrevistas:
Angie Stanley
Antônio Soares
Isadora Raes
Patrícia Baikal
Yeda Borges
27/10 - a partir das 9 hs - Posts com as entrevistas:
Igor Alcantara
Mylena Araújo
Raick Tavares
Tatiana Mareto Silva
Uiara Melo
28/10 - a partir das 9 hs - Posts com as entrevistas:
Geraldo Medeiros Jr.
Janice Ghisleri
Laís Rodrigues
Luis Maldonalle
Mércia Ferreira Fernandes
Dia 29/10/2015 - Bate-papos
09:00 às 11:00 hs - Letícia Godoy
11:00 às 13:00 hs - Paulo Scollo Junior
14:00 às 16:00 hs - Marcia MacEvan (Marcia Bio)
16:00 às 18:00 hs - Alessandra Vale
18:00 às 20:00 hs - Vólia Loureiro Do Amaral
Dia 29/10/2015 - Sorteios a partir das 20 hs
Dia 30/10/2015 - Bate-papos
08:00 às 10:00 hs - Gislaine Oliveira
10:00 às 12:00 hs - Betta Fernandes
12:00 às 14:00 hs - JM Alvarez Autor
14:00 às 16:00 hs - Ricardo Oscar Autor Brasileiro
16:00 às 18:00 hs - Priscila Magalhães Palmeira
18:00 às 20:00 hs - Tatiane Durães
Dia 30/10/2015 - Sorteios a partir das 20 hs
Dia 31/10/2015 - Bate-papos
08:00 às 10:00 hs - Autora Amanda Bonatti
10:00 às 12:00 hs - Carmem Teresa Elias
12:00 às 14:00 hs - Chaiene Barboza Santos
14:00 às 16:00 hs - Randerson Figueiredo
16:00 às 18:00 hs - RôMierling Erbe
18:00 às 20:00 hs - Jéssica Milato Costa
Dia 31/10/2015 - Sorteios a partir das 20 hs
03/11 - a partir das 9 hs - Posts com as entrevistas:
Ana Rapha Nunes
Carolina Utinguassú Flores
Márcia Pavanello Pires
Michelle Paranhos
Susy Ramone
04/11 - a partir das 9 hs - Posts com as entrevistas:
André Anlub
Carine Raposo
Carlos Alberto Carneiro Souza
João Leles
Mallerey Cálgara
Dia 05/11/2015 - Bate-papos
09:00 às 11:00 hs - Kamila Zõldyek (Camila Araújo)
11:00 às 13:00 hs - Oliver Fábio
14:00 às 16:00 hs - Ananda Stranger
16:00 às 18:00 hs - M. V. Barcelos (Marcus Vinícius)
18:00 às 20:00 hs - Jéssica Macedo
Dia 05/11/2015 - Sorteios a partir das 20 hs
Dia 06/11/2015 - Bate-papos
08:00 às 10:00 hs - Elaine Elesbão
10:00 às 12:00 hs - Luiz Asaf
12:00 às 14:00 hs - Nuccia De Cicco Karissa Kamra
14:00 às 16:00 hs - Elaine Velasco
16:00 às 18:00 hs - Catia Mourão
18:00 às 20:00 hs - Barbara Stefane de Oliveira
Dia 06/11/2015 - Sorteios a partir das 20 hs
Dia 07/11/2015 - Bate-papos
08:00 às 10:00 hs - MS Dehlia (Dehlia Deh)
10:00 às 12:00 hs - Ivair Gomes
12;00 às 14:00 hs - Claudio Manoel
14:00 às 16:00 hs - Nanci Penna
16:00 às 18:00 hs - Janethe Fontes
18:00 às 20:00 hs - Luiz Amato
Dia 07/11/2015 - Sorteios a partir das 20 hs

Não é o máximo?

Tem vídeo e tudo:


Como já anunciei participarei no dia 30 de outubro às 11h do evento bate-papo.

Fica antecipado o meu agradecimento pelo esforço dos organizadores em divulgar tantos escritores. Em particular o meu trabalho. 

Vamos ao festival! 
Abraço.  

23 de outubro de 2015

Tomo XXI - Totalmente máquina


Mae Dickson desabou. Não tinha mais lágrimas. Encostou o cano da própria arma na cabeça, mas não pôde puxar o gatilho. A autopreservação estava ativa. Despertou. Há quanto tempo sonhava com aquilo? Não era possível dizer com certeza, afinal de onde se encontrava não conseguia distinguir dia de noite. Também, tanto fazia. O fornecimento de comida não obedecia uma ordem, apesar de longo. Sabia que era pouca para sua estatura. De certo, para prolongar o sofrimento, mas não fazia diferença. Os seus olhos grandes e negros não expressariam a humilhação. Seu cérebro robotizado não admitia perturbações, por mais que suas reais condições fossem adversas. Dessem-lhe um revólver e uma bala e estaria salva. 
Levantou-se, foi até a parede. Com as costas sobre o fundo da cela ela observou a porta de ferro. O traje, um saco estopa aberto no fundo para transpassar a cabeça e cortado na altura dos braços, de fácil manuseio aos guardas que zelavam pela cadeia. Arisca, arredia, xucra, tantos outros adjetivos carinhosos que lhe pertenciam, tiveram de ser deixados para trás. Por padrão não era prudente reagir ali. 
O som das trancas já era esperado por causa do barulho dos passos.  O visitante não. 
— Deus, o que fizeram com ela? — indagou consternado o homem de batina ao fitar a prisioneira.
— Não fizemos nada — tentou argumentar o guarda. 
— Que Deus tenha piedade dela e de nós. 
O religioso pediu licença ao soldado e aproximou-se da prisioneira. Ela se afastou, ligeiramente. Pediu para que não tivesse medo, pois estava ali para conceder-lhe o perdão divino. Que tudo acabaria naquele mesmo dia. 
Um revolver e estaria salva, não Deus. O padre terminou suas orações e se dirigia para a saída do cubículo prisional. Imediatamente adentraram no recinto dois guardas para conduzir a prisioneira ao enforcamento. 
— Não batam. Também não há tempo para gracinhas — disse um terceiro que ficou à porta. 
Eles agarraram Mae e a algemaram. Forçaram o movimento. As pernas da prisioneira vacilaram por algumas vezes e um dos soldados deu-lhe uma joelhada nas costelas. Ela não tinha capacidade de gemer. 
— O chefe disse pra não bater. 
— Fica na sua. Acha que ele mesmo não vai se despedir dela? 
— Não importa o que eu acho. Vamos acabar logo com isso. 
Conduziram-na pelos corredores da prisão e pararam na sala principal da delegacia. Ali, atrás da mesa e com uma estrela amarela do lado esquerdo do peito estava Roland Morrison.
— Olhe só para você. Meus Deus, como está linda! — sorriu o xerife. 
A mulher manteve-se silente. Suas duas mãos vinham algemadas, voltadas para trás. Os homens da lei ainda ficavam ao seu lado.
— Mae, Mae, percebeu que não é bom negócio ficar no meu caminho? Disseram-me que você ficou louca, mas eu acho que não. 
Roland sacou o seu revólver e apontou para a prisioneira. Continuou: 
— É isso que você quer. Quer colocar a mão em um cabo de revolver e salvar o mundo.
Automaticamente Mae se levantou da cadeira. Deu uma cabeçada em Morrison. O xerife revidou à agressão com um soco direto no nariz da prisioneira. O sangue manchou o seu precário vestido de saco.
— Oh droga. Você deve estar apresentável para a execução. Cuidem do nariz e depois levem-na à cozinha para a última refeição. 
Ela foi levada ao local da refeição e lá encontrou Damian Wayne devorando arroz, feijão, carne de porco e salada de alface. Também comia pela última vez e ao vê-la ser colocada ao seu lado disse:  
— Podemos repetir quantas vezes quisermos, não são gentis?
Mae identificou o seu prato devidamente feito e começou a se alimentar. O amigo insistiu:
— Sei que você está aí, Mae. Saia pelo menos desta vez. Para uma última conversa.
— O que quer saber? 
— Se você está bem.
— Estou bem. 
Damian sabia que Mae tinha ficado tão abalada com o episódio da morte do filho ao ponto de perder a sanidade. Os nanorobôs paulatinamente foram assumindo o domínio do seu corpo, forçando-a a se alimentar corretamente e a tratar as pessoas como pré-programado. Quem a visse reparava na diferença pelo zunido constante dos minúsculos robôs e as veias reluzindo em vermelho. Tratava-se da autopreservação, estava em constante modo de combate. 
— Queria falar com você — ele gesticulou negativamente. 
Por volta das treze horas em Neo Texas a dupla de bandidos era conduzida à execução na forca da praça central. O local comportava muitos curiosos. Alguns repórteres registravam o evento em suas cadernetas e outros, luxuosos, através da máquina fotográfica de filme. Morrison que já estava na plataforma de execução acenava para todos os flashes barulhentos, embora sentisse a tensão do momento. 
Ele tomou a palavra quando Mae e Damian já se encontravam em cima do caixote de madeira velha e com a corda em volta do pescoço.
— Povo de Neo Texas, é com muita alegria que estamos aqui hoje para cumprir a condenação de Mae Dickson e Damian Wayne.


21 de outubro de 2015

O futuro chegou (será?)


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Isso mesmo que você leu. O esperado dia que Marty McFly chegou com o DeLorean ao futuro finalmente chegou. Hoje é 21 de outubro de 2015 e desde as sete e meia da manhã o adolescente de 1985 apronta das suas em nosso tempo.  Há muitos outros personagens ficcionais que se deslocam no tempo e espaço, num reflexo fiel ao fascínio humano pelo Tempo.


 Duas máquinas do tempo, dois Doutores

Ir ao futuro, voltar ao passado, mudar acontecimentos, são desejos antigos dos seres humanos e tema de diversos estudos. Embora não se tenha evidências concretas de que tal “viagem” seja possível, a ficção traz uma reflexão curiosa. O futuro concebido pelos idealizadores de “De Volta para o Futuro” tem similaridade com o presente? Algumas coisas previstas, realmente ocorrem? Numa análise superficial é possível dizer que em alguns pontos o filme acertou em cheio, já em outros sucumbiu aos clichês do gênero (todo filme sobre o futuro que se preze deve ter carros voadores). Fato é que muito do sucesso atribuído ao filme vem desta obstinação do ser humano em dominar ou tentar dominar o tempo; antever acontecimentos. O que é uma tremenda bobagem.

Sejam legais uns com os outros!

Os filósofos já diziam: não existe futuro, assim como passado. O que temos é o presente. Quando nos deparamos com gravações antigas ou fotos não estamos vivendo o passado, mas fazendo do recordar o nosso presente. Em relação ao futuro acontece algo similar: não temos o amanhã, mas podemos esperar que o sol nasça no novo dia, que acordaremos vivos. Só teremos certeza dessas coisas quando as estivermos vivendo.

Esta é a “chave” para entender muitas coisas, como por exemplo a existência do racismo ou o desrespeito à mulher e ao homossexual. São posturas obsoletas que são “resgatas” por pessoas incapazes de viver o presente. Elas podem ir além e sem precisar de um DeLorean ou uma TARDIS para lançarem suas visões pretéritas ao futuro. Pobre McFly que ao chegar hoje de manhã ao futuro, percebeu que ele não é muito diferente de 1985.

Eu ainda prefiro a cabine telefônica do Bill e Ted.   


19 de outubro de 2015

Tomo XX - Espetáculo


O zíper do meio do macacão negro e colado ao corpo foi fechado por Damian. Ele parou na altura dos seios. 
— Pode ser que eles te ajudem — disse o pistoleiro.
— Não fique zangado. 
O caubói virou o rosto. 
— Não estou — ele mentiu.
O coldre com as duas 45 já estava posicionado na cintura, o chapéu negro na cabeça, as botas nos pés. Estava na avenida principal de Neo Texas, agora fechada para o espetáculo. 
A dupla de bandidos havia ficado presa nos últimos dias, afim de que todo o evento fosse preparado nos moldes exagerados do xerife Roland Morrison. Ele mandou instalar nas proximidades diversas câmeras para a cobertura do evento. Tudo seria transmitido pelo antigo sistema televisivo da cidade, operante em regime experimental para as demais cidades de Novo Oste que haviam recebido telões especialmente para a ocasião. 
— Isso é loucura, Mae. Ele te violentou por quantas vezes? 
Ela sorriu.
— Ele me deu uma chance. 
Manobrou os revólveres entre os dedos, escutou o barulho dos nano-robôs zunindo dentro do seu sangue. Estava tracejada de vermelho e pronta.
— Vai ficar tudo bem — Mae deu um beijo em seu companheiro.
Fez o sinal da cruz com a arma da mão direita e ganhou a extremidade da avenida para esperar o seu oponente. Entretanto, quem apareceu do outro lado foi Morrison.
— Olá, Mae Dickson! Hoje vamos filmar você em ação, o que me diz? Você tem a chance de ganhar pelas armas o direito de ver o seu rebento. Por mais que eu goste de você, não posso aliviar. Então a escolha do seu oponente foi uma questão analisada com carinho. Acho que quis adiantar as coisas, se é que me entende. 
— Coloque o cara que materei na minha mira logo, Morrison!
— Você quem pediu. Com vocês o maior pistoleiro de Neo Texas. Nosso prodígio, Raul Madison. 
Ao ouvir aquele nome, Mae sentiu o seu estomago afundar nas costas. A boca ficou seca, o coração acelerou. Só quando viu o homem forte em sua frente foi que se deu conta de quantos anos tinham se passado. Era uma versão mais musculosa do homem que a teve como escrava. Os braços estavam serpenteados por linhas avermelhadas. Os olhos dele eram iguais aos dela. Estavam furiosos. 
— Aí está, Mae Dickson, o seu filho rejeitado. Vocês podem começar quando quiser — Roland deu um tapa nas costas de Raul e se retirou.
Pelo menos poderia morrer feliz, afinal havia visto o seu filho. Isso fê-la sorrir. O homem a sua frente indagou-lhe:
— Do que está rindo, bandida? — a voz era rouca, determinada. 
— Nada, desculpe. Estou pronta.
Os olhos parecidos se encontraram mais uma vez. Raul puxou sua arma com habilidade, um disparo contra a cabeça de sua mãe, ela se defendeu atirando de encontro. As balas se chocaram e chicotearam. O policial então sacou as duas armas e efetuou vários disparos. Mae usou a mesma técnica para interceptar a ação inimiga. Seis tiros. Então Raul contrariando a lógica de que os tambores possuem espaço para seis balas, efetuou mais um disparo. Ele acertou o peito de sua mãe, abrindo uma flor de carne em suas costas. Os joelhos dela se dobraram por um instante. 
— Peguei você! — ele apontou o outro revolver para a cabeça da inimiga. 
Não conseguiu puxar o gatilho. Abriu os revólveres num movimento rápido para recarregá-los. Mae fez o mesmo, ainda de joelhos. Ela antecipou o movimento, aproveitando que o filho ainda estava confuso com o impedimento do disparo letal. Raul foi alvejado na perna, tombou para a esquerda. 
— Não, caralho! — Mae ralhou com a sua arma. 
Tentou se desfazer dela, mas os dedos não lhe obedeciam. A mão automática apontou mais uma vez contra Raul e efetuou novo disparo. Dessa vez foi a vez do policial atirar contra o projétil da bandida para se defender. 
— Concentre-se. Esqueça que sou sua mãe! Me acerte pra valer — ela disse com lágrimas nos olhos. 
— Do que está falando? 
— Do avermelhamento. Ele reage às nossas emoções, não te disseram? 
— Não. Só que me deixa mais forte. 
— Ele te colocou aqui de propósito. Para que eu te matasse, Raul. Mas você precisa me superar. 
— Só fique quieta para eu te acertar. 
— Eu não posso. Minhas reações são automáticas. 
O policial investiu novamente. Mae foi alvejada por duas balas. Quando Raul ia recarregar a sua arma, ela efetuou dois disparos, acertando-o no peito. 
— Pare, por favor! — ela chorou.
— Como isso é possível? Você usou o próprio corpo para economizar balas e reagir quando eu não tivesse como me defender — Raul cuspiu sangue.
A pistoleira tinha lágrima nos olhos, a arma em riste.
— Eu sinto muito — ela disse. 
— Não fale como se eu já estivesse morto! — ele disparou mais uma vez. 
Mae se moveu automaticamente para que o ferimento não fosse em um lugar mais grave. A bala a transpassou pelo ombro direito. 
— Não é disso que estou falando. Sinto muito por ter te abandonado. 
— Cale a boca! — ele a alvejou mais uma vez. 
Mae havia treinado com Xamã, depois adquirido experiência na utilização do avermelhamento, de modo que sabia dos pontos negativos. Ele a transformava em uma máquina de matar, mesmo contra a sua vontade. Por outro lado, distrações psicológicas confundiam os robôs minúsculos e as reações deixavam de ser eficientes. Sobre a areia daquela avenida abandonada ela sentia uma dor que jamais imaginou capaz de existir. Desespero por querer abraçar o filho, pedir-lhe perdão, mas ser obrigada a matá-lo. 
— Você tem que fugir — ela conseguiu dizer. 
— Eu passei a vida inteira me preparando para isso! O dia em que eu te faria pagar! Roland me prometeu vingança — ele descarregou suas armas contra a mãe.  
— Droga, Raul — Mae falou com dificuldade. 
Tombou sobre a areia. O sangue tingiu a aridez. Ela respirou com dificuldade, rezando para que o seu coração parasse de uma vez. Raul Madison sorriu satisfeito, ofegante.  
Mae engasgou com o próprio sangue. Olhou para as armas, tinha munição. Deus, não! O zunido aumentou, os ferimentos começaram a se fechar. Ela se pôs de joelhos, depois em pé. Ergueu o braço direito. Engatilhou o revolver. 
Um disparo. O sorriso de Raul se desfez imediatamente. 
     

15 de outubro de 2015

O mestre também tem culpa


Todos nós passamos "pelas mãos" de um professor. Alguns deixam boas impressões, outros nem tanto. Ensinam, seja por bons ou maus exemplos. São humanos. Escutamos aos quatro ventos frases do tipo: "o professor é de suma importância; sem educação não há futuro; o professor precisa ser mais valorizado; melhores salários aos educadores; valorizam mais um jogador de futebol do que um professor". Ficamos indignados com estes fatos. Revoltados, mas fazemos alguma coisa para mudá-los? 

O mestre que leciona também não foi aluno, não é pai, mãe? Não é ele, também, de certo modo, culpado pela inversão dos valores que agora representa? Não somos todos? O que quero dizer é que este desrespeito ao ato de adquirir conhecimento e utilizá-lo tem suas raízes bem mais fundas do que aparenta. Uma catarata que se estende; um câncer que não mata. 

Todas as frases de lamentação que envolvem Educação são verdadeiras, entretanto cabe a nós fazer mais do que lamentar. Um problema que de fato se vê em qualquer ramo profissional é o da Responsabilidade. Ninguém quer a dele. Alguém nos ensinou a não assumir a nossa. 

É preciso mudar isso. É preciso ter mestres responsáveis; cidadãos que aprendam o significado da palavra de um homem. O conhecimento em si está disponível de forma muito mais fácil hoje em dia, mas nunca esteve tão distante das pessoas. A confusão é grande, proposital e cabe ao professor assumir a árdua responsabilidade de guiar o seu aluno; de mediar o seu contato com o conhecimento. Explicar-lhe o que é joio e o que é trigo. 

Pessoas que pensam.       

13 de outubro de 2015

O que há de errado com o mundo - G.K. Chesterton


O título não tem nada a ver com o texto

Escrito em 1910 pelo filósofo, poeta, desenhista, historiador e teólogo Gilbert Keith Chesterton, "O que há de errado com o mundo" é um livro atual e brilhante, mas que não deveria ter este título. Na própria introdução da obra é explicado que o autor chamou seu apanhado de ideias de "O que há de errado", um título mais abrangente, coerente, menos pretensioso. A ideia de colocar "com o mundo" veio dos editores e compromete a intenção motriz do autor, que é apresentar ao leitor uma visão geral do que ocorria com a sociedade e suas pessoas no início do século vinte e que tenderia a se agravar ao longo dos anos. Nunca foi sua intenção conceber um manual prático e definitivo de como lidar com todos os erros do mundo. 

Chesterton que eu conheci nas páginas da obra resenhada, é um homem de visão singular. Capaz de demonstrar com clareza as condutas que julga desconexas com um mundo justo. Homem de pensamento religioso bem desenvolvido, tenta trazer ao ávido mundo do comércio os princípios de divisão e de amor ao próximo pregado na Igreja, fazendo duras críticas ao sistema que tenta transformar todos em certo padrão comportamental. Neste raciocínio, podemos citar o seu estudo pontual sobre a posição das mulheres na sociedade do início do século passado e sua previsão de como as coisas seriam após a importante decisão de conceder a elas o direito ao voto. É formidável o modo como o autor interpreta os acontecimentos e pode formular suas ideias. Sua análise dos pontos negativos do que a maioria das pessoas entende como algo positivo é deveras revelador. No caso das mulheres, o seu argumento central foi justamente a padronização. Sem entrar no mérito da questão que por si só renderia vários textos e debates, o fato é que hoje podemos identificar com facilidade que sua crítica tinha e tem pertinência. É comum nos deparamos com artigos que falam da não existência de diferenças importantes entre homens e mulheres. 

Suas palavras sobre Educação também são atuais, embora mais conservadoras. Adepto à disciplina, respeito ao mestre e a instituição, tece previsões do que ocorreria dali a alguns anos com o enfraquecimento do modelo por conta da liberdade experimentada naqueles anos. Na verdade todos os capítulos de "O que há de errado" estudam o que está acontecendo e apontam os caminhos seguintes, sejam positivos ou negativos. Em alguns pontos o autor se dispõe a debater política, o que parece ser com propriedade. Para mim, neste ponto, o texto deixou de ser claro. Talvez pela própria complexidade atinente ao tema. Em outros, porém, como o seu título de "Príncipe do Paradoxo" sugere, sua habilidade de se fazer claro foi louvável. É o caso do entediamento de Liderança.

Um texto rico, atual, pertinente que merece ser lido mais de uma vez. Se a vida é um texto a ser interpretado, Chesterton prova com propriedade que para tanto há a necessidade de muito estudo. Mais que isso, é exemplo de que estudar o passado é um modo de se preparar para o futuro. Apenas pelas palavras que deixou em sua obra Um homem fantástico, de mente aberta e criativa. 

Fica a resenha e a dica.  
Abraço.              

9 de outubro de 2015

Tomo XIX - Neo Texas


Devidamente vestida, Mae deixou o local que passara a noite.  
— Espere — Damian apareceu na entrada da tenda, envolto pelo lençol. — Eu quero ajudar.
— Não. Há pessoas que dependem de você. 
Ele riu. Ela franziu o cenho. 
— Não percebeu ainda, não é? Eu estou sempre correndo atrás de você, Mae. É melhor irmos juntos resolver o que você tem pra resolver, porque estou farto de chegar depois. Nem adianta fugir, moça, porque eu sempre te encontro. 
Foi a vez de Mae sorrir. Ela se aproximou do companheiro. Beijou-lhe os lábios. 
— Obrigada, mas eu tenho de fazer isso sozinha.
Damian não escondeu o seu descontentamento, mas assentiu. 
— Então aceite novas armas e completar o avermelhamento antes de partir. 
— Ok. 
Ambos caminharam entre as tendas até uma carroça metálica de seis rodas, desprovida de cavalos. Sua porta originalmente era destrancada por um mecanismo de leitura ocular, mas estava desativado e a segurança era mantida por uma corrente e cadeado. Wayne tirou do bolso uma pequena chave.
— Esta belezinha ia pra capital. Caiu no meu colo, acredita? Atravessava o deserto sem nenhum tipo de segurança. 
Quando a porta se abriu Mae identificou duas prateleiras laterais preenchidas com armas. Espingarda, fuzil de precisão, de assalto e metralhadora leve. 
— Prefiro revolveres — ela tocou de leve o cabo de marfim pendido de sua cintura. — Acabei perdendo um em Liandra. 
— Eu sabia que ia dizer isso. Por isso escondi as melhores. 
Damian abriu uma tampa metálica do assoalho da carroça e tirou de lá uma caixa aveludada, vermelha. Um click e ela se abriu revelando duas pistolas prateadas com cabos emborrachados. 
Mae retirou uma da caixa. Era pesada, bem polida, de cano longo e grosso. Girou entre os dedos e guardou no coldre vazio.
— Se tivessem uma dessa quando batizaram a Lei do 30, o nome seria outro — Damian comentou. 
Mae retirou o seu velho revolver de cabo de marfim do coldre e o substitui pela segunda pistola prateada. 
— Calibre 45 — ela disse. — Já fui baleada por uma dessa. Dói pra cacete. 
— Achei a sua cara. 
Depois ele agarrou uma espingarda. Disse:
— Mae, preciso de meia hora para deixar instruções aos membros da Tenda. Eu não suporto mais te ver partir. Dei sorte de reencontrar você até agora...

Damian mal acreditou quando retornou ao local marcado com Mae. Ela estava lhe esperando. Preparavam os animais, quando o pistoleiro ainda sem jeito indagou:
— Qual é o plano?       
— Não há plano. Vamos à Neo Texas e procuramos pelo meu filho. 
— Mas, pela porta da frente? 
— Eu tenho entrado assim ultimamente. 
— Eles vão te matar; nos matar, aliás. 
— Talvez. Sabemos que Morrison gosta de espetáculos, por isso há a chance de ele reservar um para nós.
— Então o plano é enfrentar os policiais no lugar onde eles são mais fortes? Isso é loucura.
— É claro que é. Por isso disse para não me acompanhar — ela apertou as fivelas da cela do seu animal. 
— Foda-se — ele montou em seu cavalo. 
A cavalgada até Neo Texas seguiu tranquila por todos os dois dias. Quando a grande cidade foi avistada do alto do pico West pela dupla, não houve como esconder a admiração. Nada como aquilo fora visto antes. Prédios em ruínas, mas enormes se estendiam por todo o horizonte. A selva de pedra divisava com a mata comum em vários pontos, ao passo que carroças preenchiam as ruas. Uma torre alta exalava fumaça grossa e um cheiro ruim preenchia o ambiente. 
Mae deu com os calcanhares nas costelas do seu animal e rumou para a entrada metálica daquele pavoroso local. Assim que se aproximou do portão reluzente de alumínio um sinal de alerta se fez audível. Damian comentou:
— Nada como um alarme estridente de boas-vindas. 
O portão se abriu eletronicamente e revelou um exército de policiais de branco. Mae olhou de soslaio para o comparsa:
— A gente tem duas opções: se entregar ou se divertir. Qual vai ser? 
— Você está brincando que vou perder esta chance — Damian sacou a espingarda. 
Disparou. Um dos homens de Morrison foi arremessado com o impacto do calibre 12. Os policiais avançaram. Os bandidos se dissiparam e o exército de policial se dividiu. O portão ficou desprotegido. Mae sacou uma das armas e disparou contra os inimigos mais próximos. Foi alvejada nas costas, no ombro e na coxa, mas não deixou de correr. Escondeu-se ente as ferragens do que um dia foi um automóvel. Escutou o tiroteio entre Damian e os outros policiais. Recarregou as armas e traçou a rota, não estava distante dos portões da cidade. Um tiro, um cérebro despedaçado. Correu. Entrou em Neo Texas com as duas 45 empunhadas. Gritos, empurrões. Ninguém conseguia entender o que estava acontecendo. Novos tiros, Damian ainda estava lá fora. Então um projétil de fuzil lhe rasgou o ventre. Caiu. Arrastou-se para fora do alcance dos franco-atiradores. Levantou-se, a mão no ferimento, estava encurralada. Ergueu a mão esquerda em sinal de rendição. 
Ela disse:
— O meu filho. Quero vê-lo e depois poderão fazer o que quiser comigo. 
A resposta que teve foi uma coronhada de espingarda no nariz, promovida pelo policial mais próximo. Ela deu dois passos para trás. Levou a mão ao ferimento. O homem da lei ordenou que a desarmassem. Enquanto realizavam o procedimento, Mae avistou um grupo de policiais trazer Wayne rendido. Ele lhe sorriu quando foi empurrado para junto dela.   
Um policial agarrou o rádio que vinha preso a sua cintura. 
— Xerife, estou com os dois bandidos aqui. 
Damian que tinha os braços algemados buscou nos olhos da companheira as próximas ações. Ela se mantinha alheia a tudo. O policial então se aproximou dela e falou:
— O chefe está descendo para revolver tudo. O que você fumou para vir aqui? 
Ela o encarou. Respondeu:
— Eu só fiz uma exigência.
— Não está em condições de exigir nada — ele deu um soco no rosto de Mae. 
Ela caiu. O chapéu se desprendeu da cabeça. Ajoelhou-se e se colocou em pé mais uma vez. 
— Um pedido. 
— O Xerife vai dar um jeito em vocês — o homem se afastou. 
Morrison não demorou a chegar em seu cavalo branco. Estava mais gordo do que da última vez que foi visto pelos bandidos. Desceu do animal, trocou algumas palavras com o policial que agredira Mae e depois se aproximou dos rendidos. 
— O filho, não é? 
Ela maneou a cabeça sem coragem de fitá-lo diretamente. 
— Eu me lembro de você. Fiz o seu amante te trair, matei o seu chefe na sua frente. Te fuzilei e você quer ver o seu filho?
Ela continuou silente. Os policiais riram. Roland continuou:
— Tem uma coisa que eu não fiz com você — ele abaixou o zíper da calça. 
Damian começou a gritar e tentou avançar em direção ao xerife, mas os policiais o impediram. Ele continuou gritando até que foi silenciado por socos e pontapés.
— Parker tinha mesmo razão. Você é uma vagabunda muito gostosa. Agora que eu já fiz tudo o que tinha de fazer, não vejo mais nenhuma utilidade em te manter viva.
— O meu filho! Deixe-me vê-lo. 
— Não — Morrison sacou o revólver e mirou na mulher prostrada aos seus pés. 
— Me deixa conquistar o direito — Mae disse ainda do chão. 
O xerife franziu o cenho.
— Conquistar o direito? 
— Coloque seu melhor homem contra mim. 
Ele sorriu.
— Um duelo — guardou a arma no coldre

5 de outubro de 2015

Festival de Literatura - Autores Contemporâneos

Autores nacionais participarão do Primeiro Festival de Literatura "On-line". Alguns já foram notícia aqui no blog, como Claudio Almeida, Kamila Zöldyek. O evento é de criação do autor Luiz Amato e de organização Fernanda Avellar do Blog Profissão Escritor e ocorrerá entre os dias 1 de outubro e 9 de novembro. Durante o festival ocorrerá sorteio de brindes e demais promoções. Veja os detalhes na página do evento:


Eis os participantes:



Vou participar do Bate-papo no dia 29 de outubro das 11h às 13h. Esteja lá:


Fica a dica e o agradecimento pelo convite. 
Grande abraço.  

2 de outubro de 2015

Tomo XVIII - O Pistoleiro Fantasma


Presente. Mae Dickson cavalgava pelo deserto. O cavalo ia desgovernado, lento e fora de ritmo. Ela mal tinha forças para manter-se em cima do animal, as rédeas frouxas. A poeira se erguia por causa do vento e ela não podia enxergar direito. Não que isso fizesse diferença. O que estava acontecendo? Havia roubado de Valley a roupa, além do sangue para repor o avermelhamento perdido, mas algo não estava correto. Era como se lentamente suas forças fossem drenadas. Mesmo sob o sol escaldante, sabia que sua exaustão estava sendo acelerada por algo desconhecido. Tanto esforço para descobrir o paradeiro do filho rejeitado e agora sucumbiria sobre a areia do caminho? A vista turvou, ela forçou para manter-se consciente. O vento soprou contra a camisa grande e negra que lhe cobria. O corpo pendeu, os joelhos desprotegidos tocaram a areia com violência. Forçou as pernas e os braços para se levantar, enquanto o cavalo ainda estava próximo. O chapéu se desprendeu da cabeça, os lábios estavam tão secos. 
— Vamos malditos robozinhos. Arrumem o que for preciso para eu seguir caminho — disse a si mesma.
As tripas doíam. Levou a mão ao estomago. Ânsia, vômito e fraqueza. Ouviu passos. Viu o bico da bota, esperou pelo chute. Ele não veio. Mãos grandes e esqueléticas agarraram-na pelo ombro. Arrastaram-na. Estava desorientada, mas viu um homem magro, de sobretudo negro e coldre na cintura lhe socorrer. Ele não tinha cabeça. 
— Xamã — ela sussurrou. — Então veio me buscar? 
O homem sem cabeça não expressou reação. Continuou a arrastá-la. Depois de um tempo parou e tirou das costas um cantil. Derrubou água sobre a cabeça de Mae e em seguida deu-lhe de beber. 
— Obrigada. Agora você pode continuar a me arrastar para o inferno — ela então apagou de vez.
Horas depois acordou e ainda viu o antigo mestre ao seu lado, assustadoramente decapitado mexendo nos gravetos incandescentes de uma fogueira. Tentou falar alguma coisa, mas não tinha controle da voz. Apagou mais uma vez. 
Sonhou com Xamã. No sonho ele voltava a ter a cabeça perdida em Prime. Também se encontrava de frente a uma fogueira.
— Você está envenenada — ele falou. 
Então acordou. O pistoleiro sem cabeça ainda continuava perto, mas agora não havia vestígios de fogueira. 
— Estou tendo alucinações — ela disse. 
Sentiu medo de morrer. A mesma coisa que lhe invadiu quando foi fuzilada pelos homens de Morrison, embora ali o seu desejo fosse contrário. Entendeu que o seu receio não era necessariamente existencial, mas temporal. Se não houvesse tempo para pedir perdão ao filho abandonado? Fez aquilo que se faz nestas situações: prometeu. Aproximou-se cambaleante do fantasma silente de Xamã e disse-lhe:
— Eu prometo que seu não morrer aqui vou recuperar a sua cabeça.

Mae Dickson abriu os olhos subitamente. Estava em um coxão de palha, numa tenda conhecida. O corpo coberto apenas por um fino lençol, os cabelos desarrumados. Ao seu lado um homem ainda dormia. Depois do incidente no deserto próximo a Liandra, a comitiva de Damian alcançou Mae, já que ela se encontrava debilitada após o confronto com Wally.
Damian Wayne se espreguiçou. Sorriu.
— Já valeu a pena.
— Valeu a pena?
— Ter te salvado de novo. É a primeira vez que amanhecemos juntos.
Ele se levantou. Foi até a bolsa de couro que descansava sobre o solo e tirou dela um estojo de seringas. Voltou-se para Mae.
— Esta é a última dose e estará totalmente limpa. 
— Limpa?
— Os policiais agora estão usando avermelhamento envenenado. O veneno é acionado quando entra em contato com o sangue de outra pessoa. Em outras palavras, não faz mal ao policial, apenas ao bandido usurpador de avermelhamento.
— Está me dizendo que peguei isso quando drenei o sangue do policial que matei? 
— Sim. Isso é coisa do Morrison. Ele tem acesso a armas biológicas incríveis dos obsoletos. A gente pagou o olho da cara pelas seringas de cura.
Mae se virou para pegar um cigarro e o isqueiro. Depois estendeu o braço ao amigo para a aplicação. Damian se aproximou, retirou o ar da seringa e injetou o líquido. Disse:
— Que tal me contar o que está acontecendo?
Mae o observou por um tempo. Expeliu fumaça pelo nariz. 
— Há uma pessoa que preciso encontrar. 
— Por que não fico surpreso?
— Não é Bruce.
— Morrison?
Ela gesticulou negativamente. Ele fez outra pergunta: 
— Quem então?
— Meu filho. 
— Por que isso agora? 
— Eu não sei ao certo, mas Xamã me disse uma vez que antes da Lei do 30 havia um Código. Preciso entender isso.
— Ele te falou disso? Eu sinceramente não sei se é verdade, Mae. Nunca encontrei alguém que agiu primeiro pensando nos outros e depois em si. Olha que rodei Novo Oeste inteiro. A Lei do 30 sempre me pareceu correta. 
— Não é verdade. Você me salvou de Morrison, arriscando a própria vida. 
— Eu gosto de você e não pensei direito no que estava fazendo. Se analisar bem, coloquei duas pessoas para morrer para te salvar, além de me manter em segurança também. Eu não sou diferente dos outros. Nem você. 
— Xamã não pensava em si mesmo.
— Ele era um bom homem, mas tinha os seus próprios interesses. Foi loucura tentar roubar as armas em Prime. Ele queria a glória de mudar o mundo. 
— E você, Damian, o que quer?
— Quero acordar vivo amanhã e com você ao meu lado, tal qual hoje. 
Eles se beijaram calorosamente. Ela o afastou.
— Primeiro preciso encontrar o meu menino. Então saberei se o que Xamã disse é apenas uma lenda.
Damian deu de ombros. A bandida vivia num mundo violento, impiedoso e egoísta, cuja única norma era cuidar de si mesmo. Sentia na pele os efeitos desta ideologia quando pensava no que ocorreu com Xamã; na traição de Bruce Parker. Tinha uma vontade quase incontrolável de matar os responsáveis. Falsidade, egoísmo, poder. Sabia bem o que cada uma dessas palavras significava, mas não entendia o sentimento que orientou os obsoletos quando criaram o Código ou a lenda sobre ele: o tal amor. Não precisou de conexões com micro robôs espalhados pelo mundo para deduzir que a falta dele foi a ruína do Código e a vitória da Lei do 30. Estavam todos cegos pelo gatilho, inclusive ela.