23 de outubro de 2015

Tomo XXI - Totalmente máquina


Mae Dickson desabou. Não tinha mais lágrimas. Encostou o cano da própria arma na cabeça, mas não pôde puxar o gatilho. A autopreservação estava ativa. Despertou. Há quanto tempo sonhava com aquilo? Não era possível dizer com certeza, afinal de onde se encontrava não conseguia distinguir dia de noite. Também, tanto fazia. O fornecimento de comida não obedecia uma ordem, apesar de longo. Sabia que era pouca para sua estatura. De certo, para prolongar o sofrimento, mas não fazia diferença. Os seus olhos grandes e negros não expressariam a humilhação. Seu cérebro robotizado não admitia perturbações, por mais que suas reais condições fossem adversas. Dessem-lhe um revólver e uma bala e estaria salva. 
Levantou-se, foi até a parede. Com as costas sobre o fundo da cela ela observou a porta de ferro. O traje, um saco estopa aberto no fundo para transpassar a cabeça e cortado na altura dos braços, de fácil manuseio aos guardas que zelavam pela cadeia. Arisca, arredia, xucra, tantos outros adjetivos carinhosos que lhe pertenciam, tiveram de ser deixados para trás. Por padrão não era prudente reagir ali. 
O som das trancas já era esperado por causa do barulho dos passos.  O visitante não. 
— Deus, o que fizeram com ela? — indagou consternado o homem de batina ao fitar a prisioneira.
— Não fizemos nada — tentou argumentar o guarda. 
— Que Deus tenha piedade dela e de nós. 
O religioso pediu licença ao soldado e aproximou-se da prisioneira. Ela se afastou, ligeiramente. Pediu para que não tivesse medo, pois estava ali para conceder-lhe o perdão divino. Que tudo acabaria naquele mesmo dia. 
Um revolver e estaria salva, não Deus. O padre terminou suas orações e se dirigia para a saída do cubículo prisional. Imediatamente adentraram no recinto dois guardas para conduzir a prisioneira ao enforcamento. 
— Não batam. Também não há tempo para gracinhas — disse um terceiro que ficou à porta. 
Eles agarraram Mae e a algemaram. Forçaram o movimento. As pernas da prisioneira vacilaram por algumas vezes e um dos soldados deu-lhe uma joelhada nas costelas. Ela não tinha capacidade de gemer. 
— O chefe disse pra não bater. 
— Fica na sua. Acha que ele mesmo não vai se despedir dela? 
— Não importa o que eu acho. Vamos acabar logo com isso. 
Conduziram-na pelos corredores da prisão e pararam na sala principal da delegacia. Ali, atrás da mesa e com uma estrela amarela do lado esquerdo do peito estava Roland Morrison.
— Olhe só para você. Meus Deus, como está linda! — sorriu o xerife. 
A mulher manteve-se silente. Suas duas mãos vinham algemadas, voltadas para trás. Os homens da lei ainda ficavam ao seu lado.
— Mae, Mae, percebeu que não é bom negócio ficar no meu caminho? Disseram-me que você ficou louca, mas eu acho que não. 
Roland sacou o seu revólver e apontou para a prisioneira. Continuou: 
— É isso que você quer. Quer colocar a mão em um cabo de revolver e salvar o mundo.
Automaticamente Mae se levantou da cadeira. Deu uma cabeçada em Morrison. O xerife revidou à agressão com um soco direto no nariz da prisioneira. O sangue manchou o seu precário vestido de saco.
— Oh droga. Você deve estar apresentável para a execução. Cuidem do nariz e depois levem-na à cozinha para a última refeição. 
Ela foi levada ao local da refeição e lá encontrou Damian Wayne devorando arroz, feijão, carne de porco e salada de alface. Também comia pela última vez e ao vê-la ser colocada ao seu lado disse:  
— Podemos repetir quantas vezes quisermos, não são gentis?
Mae identificou o seu prato devidamente feito e começou a se alimentar. O amigo insistiu:
— Sei que você está aí, Mae. Saia pelo menos desta vez. Para uma última conversa.
— O que quer saber? 
— Se você está bem.
— Estou bem. 
Damian sabia que Mae tinha ficado tão abalada com o episódio da morte do filho ao ponto de perder a sanidade. Os nanorobôs paulatinamente foram assumindo o domínio do seu corpo, forçando-a a se alimentar corretamente e a tratar as pessoas como pré-programado. Quem a visse reparava na diferença pelo zunido constante dos minúsculos robôs e as veias reluzindo em vermelho. Tratava-se da autopreservação, estava em constante modo de combate. 
— Queria falar com você — ele gesticulou negativamente. 
Por volta das treze horas em Neo Texas a dupla de bandidos era conduzida à execução na forca da praça central. O local comportava muitos curiosos. Alguns repórteres registravam o evento em suas cadernetas e outros, luxuosos, através da máquina fotográfica de filme. Morrison que já estava na plataforma de execução acenava para todos os flashes barulhentos, embora sentisse a tensão do momento. 
Ele tomou a palavra quando Mae e Damian já se encontravam em cima do caixote de madeira velha e com a corda em volta do pescoço.
— Povo de Neo Texas, é com muita alegria que estamos aqui hoje para cumprir a condenação de Mae Dickson e Damian Wayne.


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