11 de outubro de 2023

Pó de Café



Começava a amanhecer e ela ansiava por confirmar as suspeitas de que aquela seria uma manhã nublada e de ventos. Mão no queixo, unhas quase inexistentes por causa da mania de roê-las, pensou nas folhas que teria de juntar. Era segunda-feira e se preparava para retomar a rotina de auxiliar de limpeza de escola, emprego que sustentava há quase dez anos. Então, desfez a pose, tirou os olhos da janela e sacou um cigarro amassado do bolso da velha blusa. Subitamente Inês lembrou-se do pó de café.

Se quisesse tomar café teria que trazer pó, foi o que lhe informaram já no primeiro dia de trabalho, completando com a informação de que o a prefeitura não fornecia pacote do necessário para fazer a bebida matutina. Bete, a cozinheira da escola por muitos anos, foi quem disse? Paloma, a outra servente? Murilo, o inspetor? Bem, não se lembrava agora, mas sabia que podia ter sido qualquer um dos três. Eles gostavam pra caramba de café.         

Além dos três, Camila, a vice-diretora, Néia, a terceira servente, Bruna, a secretária e Sérgio que estava lá quase todos os dias, embora Inês não soubesse explicar o que ele fazia, tomavam café. Adriana, ajudante da Bete, não tomava.

Inês abriu a portinhola do armário de dispensa torcendo para encontrar um pacote pela metade ou menos; que desse, apenas dessa vez, para fazer uma garrafa do viciante líquido negro. Mexeu nos pacotes de bolacha, nos de fubá, feijão, mas nada de pó de café. Isso não acontecia em outros tempos... 

Bem, é que nos primeiros meses, talvez primeiro ano todo, na tentativa de agradar aos colegas, Inês repunha por sua conta o material indispensável à feitura da bebida matutina. Os demais funcionários percebendo a benevolência ou ingenuidade da jovem faxineira que não fazia conta de quanto bebia e de quando precisava repor o estoque de café, começaram a não se preocupar em contribuir. Com isso, Inês passou a ter um gasto sensível com o cafezinho de todas as manhãs. E quando demorava um pouco mais para abastecer o armário acontecia de ser cobrada por Adriana ou Bete; e ela odiava ficar devendo para quem ou o que fosse. E ia logo comprar mais pó de café.                   

Inês era de Minas, tinha uma filha, mas não havia se casado. Após o falecimento da mãe, o pai vendeu o sítio e a família foi morar em Andradas. Menos de seis meses ela passou no concurso e alugou uma casinha para viver por ali com a filha. Na época dos primeiros problemas com o pó de café ela estava começando a conhecer pessoas e lugares por conta própria.

— Deixa de ser besta, Inês! — um dia lhe falou Paloma. — Esse povo aí tudo bebe o seu café. Ninguém compra... 

 As palavras da companheira de profissão mexeram com a servente. Besta ela? Sabia que pagava mais do que bebia e que havia aqueles que não pagavam nada e bebiam muito, mas era ruim ser boa? Besta? Será que eles não pagavam por que sabiam que ela pagaria? O Sérgio tinha um carro desses grandes, bonitos. Certamente ele poderia comprar pó de café sem que isso lhe causasse problemas financeiros. A Néia, escutou que ia se casar e já tinha reservado um salão de festas chique. Outros, ouvia que iam a shows, barzinho, trocavam de celular. E ela? Não tinha pretendentes, não tinha carro nem casa e o telefone pessoal era desses que ainda tinham teclas. Não era convidada pelos colegas de serviço para festas nem parecia ser querida por eles. Era quase invisível... E outra: a despesa com o pó (que deveria ser dividida entre todos) era sentida no fim do mês. Aluguel, escola integral da filha, água, luz, comida. Pela primeira vez na vida Inês se sentiu tola, enganada e usada. 

A constatação causou-lhe tristeza. Passou a remoer a palavra besta dita por Paloma nos dias seguintes. Via-a com nitidez toda vez que encontrava alguém abrindo a garrafa e bebericando o seu café. Sorrisos com o seu café, bom dia com o seu café, viagens com o seu café, casamentos, amores, promoções. O café era seu, a felicidade, dos outros. 

Foi ficando cada vez mais triste, sozinha, sem palavras ou vontade. Respondia só o que lhe perguntavam, não puxava prosa, não aumentava as puxadas. 

Um dia enquanto lavava um banheiro escutou Néia fofocando com a Bete.

— Viu, que tem a Inês? — perguntou Néia.  

— Não sei, mas melhor assim. Não suporto as conversas dela de roça. Entendo nada e ela nem sabe falar direito — respondeu Bete.

Inês segurou o choro que quis escapulir pelo canto dos olhos. Sabia que era simples, mas não que tinha problema no modo de se comunicar. Aguentou firme, terminou o trabalho e prometeu a si mesma que nunca mais falaria com alguém daquela escola. Ah, e, também, não compraria mais a porra do pó de café! 

A promessa de não conversar com colegas de trabalho não durou muito por circunstâncias práticas do cargo que ocupava, mas a mudança de comportamento, sobretudo o abandono do encargo com os pacotes embalados a vácuo, sim, tiveram efeito.

O pó faltou, perguntaram dele; perguntaram dela. Ela justificou:

— Acabou.

Conto publicado originalmente na Antologia “Benfeitores Litero Cultural da Humanidade”, republicado no livro "Treze Contos num Livro Nunca Visto". 

28 de junho de 2023

Meu primeiro livro de contos chega logo!

É isso mesmo que você viu no título da postagem. Vou lançar um livro de contos e ele chega já dia 30/06/2023 em formato e-book. Por enquanto só assim, mas logo, penso que em dois meses, eu o terei fisicamente. 

Veja só a capa lindona: 

Agora a sinopse pra você se interessar:

A história de um cara que ressuscitou ao lado do seu pior inimigo, a do morador de rua capaz de prever acontecimentos, a do jovem que nunca conheceu seu pai, mas acreditava que ele morava ali mesmo no bairro, sem falar na do sujeito que ficou vários dias dentro de um buraco depois de cair de bêbado, do relógio que mudou a vida de um neto ou da auxiliar de limpeza que sempre trazia o pó de café ao local em que trabalhava, fazem parte desse livro de contos.  

São treze histórias num livro nunca visto até agora. Breves recortes que exploram nossos medos, ambições e frustrações. Com um pé no fantástico, quase sempre sem final feliz, nos fazem pensar um pouco na condição de ser humano. 

Você já pensou no que vai fazer quando descer à mansão dos mortos?

E que tal uma imagem do livro físico?


  

Não é o máximo? Ah, aqui vai o link do livro no Amazon BR pra adquirir o e-book que está em pré-venda:


Baratinho, menos de dez contos.
Um abraço e até logo!

Paul 

23 de maio de 2023

Vem aí o 1º Festival Geek de Mogi Mirim

 


Vai rolar no próximo domingo, dia 28 de maio, o 1º Don't Panic, Festival Geek de Mogi Mirim lá na sede do ICA,  na Avenida Brasília, n.º 350 - Loteamento Nova Mogi, Mogi Mirim/SP. Vai ter muita coisa legal no evento, como apresentação de kung-fu, concurso de kpop, apresentação de bandas concurso de cosplay e roda de autores. 

Sabe o que é mais legal? Eu vou estar lá! Olha só: 


Ao lado de outros amigos autores vamos participar da roda e mostrar nossos livros, não é o máximo? Então, você já tem compromisso para domingo. 

Só lembrando que a entrada custará R$15,00 + 1 quilo de alimento. As doações serão revertidas ao ICA, o local sede do evento. 

Vamos?

5 de maio de 2023

Os Sete Céus - O Chorar dos Anjos, Livro I

 


O início de uma grande saga

Os Sete Céus - O Chorar dos Anjos, Livro I é o livro de estreia do escritor Vinicius Littig, mas não se engane, é uma história já conhecida por muitos leitores; do tempo em que era disponibilizada num site de publicação de livros sob demanda. Foi lá no extinto Bookess que eu conheci o escritor desse livro e um pouco da sua obra. Somos amigos desde então, mas foi só agora que pude lê-lo completamente. Já adianto que é uma boa história sobre a guerra entre anjos e caídos. 

Aliás o que mais me chamou atenção nesse primeiro livro de O Chorar dos Anjos, foi a criativa apresentação e construção do cenário. Só para você ter uma ideia quando o título do livro menciona Sete Céus, ele fala mesmo de sete níveis celestes em que vivem anjos e demais criaturas. Achei o máximo e me fez lembrar dos oito infernos do budismo e dos nove da Divina Comédia de Dante.  

Qlon é o personagem central da história. Ele é filho de Ronan, um importante guerreiro angelical e Tera, a filha do rei de Sigillum, um império localizado no nível mais baixo dos sete céus. A narrativa é mista, sendo parte em primeira pessoa (o próprio Qlon contanto) e em terceira pessoa, pela qual  vamos conhecendo todos os outros personagens e lugares. Começamos pelo fim de uma guerra entre anjos e caídos (de tempo em tempo essas guerras acontecem e os céus parecem conseguir evitar que os seres do inferno consigam invadir) em que acompanhamos o retorno de Ronan para casa e aparentes dias de paz. Não demora para se iniciar mais uma luta, mas dessa vez, ao final, o pai de Qlon não retorna para casa. Ele fica no inferno agora como aliado dos caídos. Qlon, por sua vez, é iniciado no treinamento para ocupar os exércitos dos céus. Ele empunha a espada Sanctus, arma lendária passada entre gerações de sua família. Sob os cuidados de Lua, o príncipe se desenvolve bem até chegar à colônia de exilados de Genesis. A partir daí nosso protagonista precocemente amadurece, enfrentando perigos, sofrendo e aprendendo sobre outros céus e a importância que terá no futuro embate entre anjos e demônios.       

Como escrevi antes, existiam duas narrativas paralelas no livro, uma do próprio personagem, em primeira pessoa, que possui comentários sobre o que é narrado em terceira pessoa. É um efeito interessante, como se estivéssemos lendo uma história e o personagem principal estivesse do nosso lado, esclarecendo o que é lido. Só que, talvez, o leitor tenha um pouco de dificuldade de separar as narrativas ou note uma quebra de ritmo quando transita entre elas...        

Os Sete Céus não é um livro pequeno, contando com 637 páginas. A publicação é da Astrolábio edições e é lindona. Embora sejam muitas páginas, a fonte tem um bom tamanho e espaçamento, o que ajuda muito na leitura. O papel amarelo e as orelhas dão um charme especial ao livro. Os que me viam com ele, admiravam o seu tamanho e indagavam se eu ia mesmo ler tudo aquilo. Mas é claro que sim! Já foi lido e estou esperando o segundo!

Resumindo, Os Sete Céus - O Chorar dos Anjos, Livro I, se trata de uma aventura épica, intensa e de grandes reviravoltas; que prepara terreno para uma saga maior que, acredito, será desenvolvida em muitos outros volumes. Até mesmo o cenário que é bem desenvolvido nesta parte, ainda possui muito a ser desvendado e ele parece fantástico e criativo.  Segredos ainda ficam e expectativa de embate ou encontro entre pai e filho...   

Fica a resenha e a dica.

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Abraço!