31 de julho de 2015

Entre Nozes 2

Está marcado para o dia 29 de agosto de 2015 o segundo encontro 'Entre Nozes" em uma das salas da Faculdade Maria Imaculada de Mogi Guaçu. Será às 9h e contará com a presença do organizador Luís Braga, dos palestrantes Thiago Aparecido Trindade e João Carlos Araújo. Além deles, mais fomentadores culturais estarão presente para discutir o tema "Educação: chave para criar um povo mais crítico". 

Eu vou. Você está convidado:


Já falamos do encontro aqui. Fica a dica e o convite.
Abraço.
  

28 de julho de 2015

O Diário do Fezesman: Cegueira

 

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A propriedade da visão não é exclusiva dos seres humanos. Deles é, uma vaga ideia do que é ver; de todas as formas possíveis. Nas minhas rastejadas por aí tenho me deparado com posicionamentos no mínimo intrigantes. Assustadores também.

Pessoas que por julgarem sabidas precisam expor sua vã sabedoria para que digam que são sábias. Auto autodidatas, auto escritores, auto filósofos, auto tudo. O problema é na hora do exemplo e aí não há nenhum. Paradoxo? Merda nenhuma…

E tem a cegueira boa, se é que podemos chamá-la assim; a cegueira da ignorância. Por desconhecer como as coisas realmente são, acredito que sei o suficiente. Acredito que tenho algo de importante para dizer… Não deveria deixar as pessoas julgarem se o que eu digo é importante?

Eu falo um monte de merda, você tem razão. Aliás, não estou também querendo convencer alguém de que a maneira como vejo as coisas é a mais sensata? Não sou eu, um cocô que quer aparecer? Pois isso me ocorreu agora e não sei o que fazer. Acho que é melhor parar de escrever.

Fezesman é PhD em Cosmologia das Fezes, autor do livro “Fezes entre nós” e professor titular da UP (Universidade Privada). 

24 de julho de 2015

Tomo XII - Bem-vindo a Nova


O jantar era especial. Havia carne trazida por Bruce e Damian, os pistoleiros recém-chegados à Tenda. Haviam conseguido uma quantidade razoável de carne sintética saqueando uma comitiva que viajava para Neo Texas. Havia dinheiro e algumas peças de roupas. Nenhum milímetro de líquido avermelhador fora encontrado, no entanto. Mae já estava dormindo.
— Parece que está cada vez mais raro achar galões de avermelhamento — comentou Damian enquanto mordia o seu pedaço de carne. 
— Uma hora isso tinha de acabar — Xamã cutucou o carvão da sua fogueira. 
Bruce não perdeu a chance:  
— E você desperdiça com a escrava de Madison.   
Xamã zangou-se imediatamente.
— Por causa desse seu comentário irá com ela invadir Nova. 
— Você só pode estar de brincadeira — Bruce Parker riu cinicamente. 
— Não quer o líquido de volta? Pois então! Se ela morrer você recupera o que desperdicei. 
— Eu daria tudo para estar lá, Xamã — alfinetou Damian.
— Eu e você ficaremos. Tenho informações de que uma comitiva de Liandra passará pelo deserto. Deve ter coisa boa. Vamos roubá-la.        

Bruce e Mae rumaram até a cidade de Nova para saqueá-la. Sabiam que não se tratava de missão fácil, já que Nova era um importante portuário e complexo de pescados. A capital deveria ter colocado homens bem treinados ali. 
— Por que você? — perguntou Bruce o pistoleiro mais sério entre os bandidos que ainda não havia entendido os motivos do seu líder. 
Mae deu de ombros. Vestia-se agora as mesmas cores do companheiro, distribuída num colante vincado exageradamente no busto. Xamã havia dito que aquilo poderia causar distração nos inimigos e dar-lhe vantagem. 
Bruce Parker jogou a bituca do seu cigarro. 
— Acha que aguenta o tranco?
Mae suspirou. O caubói continuou:
— Tudo bem que perdemos o Ted em sua cidade, mas havia outros que podiam ser avermelhados. O pessoal da Tenda espera pacientemente por essa oportunidade. 
— Fale com Xamã. Eu não pedi nada — ela tentou enganar o companheiro e a si mesma sobre sua responsabilidade. 
— Eu já fiz isso. Você deve ter percebido que Xamã não é coerente. Eu jamais teria avermelhado uma mulher que abandona o próprio filho. 
Mae tocou o cavalo para voltar a Tenda. 
— Não dá pra fazermos isso juntos — foi o que disse. 
Bruce continuou olhando o horizonte. 
— Não temos líquido para todo mundo. Invadimos as cidades em busca de mais. Pague sua dívida conosco me ajudando a conseguir o líquido que Xamã desperdiçou em você. 
Mae retomou a posição anterior.
— Se vamos fazer isso, vamos logo — ela tocou o seu cavalo com as esporas. 
O caubói acompanhou a novata. 
Talvez por fúria a pistoleira não se preocupou com a estratégia. Galopou veloz por entre a areia que antecedia Nova, visando os portões principais. No entanto, antes que pudesse adentrar na cidade, o seu cavalo empacou. Ela também perdeu os movimentos do corpo, permanecendo apenas os dos olhos, desesperados. 
Bruce estava longe em cima do seu cavalo especial. Sacou das costas o rifle com mira telescópica. Pelo portão aberto Mae identificou o avanço de cinco policiais todos bem armados. Um primeiro disparo a acertou no peito e a derrubou do animal. Por quantas vezes veria o próprio sangue? Ainda não podia se mover. Os inimigos vinham rápido. Bruce mirou calmamente. Um disparo e imediatamente Mae sentiu voltar-lhe os movimentos. Rastejou na direção do comparsa. Levantou-se e correu. Um novo disparo a atingiu na coxa. Novo tombo.
Parker apontou o rifle para os policias em movimento. Um disparo e o mais próximo de Mae teve a cabeça atravessada pelo projétil. O cavalo galopou desgovernado. A pistoleira do chão sacou os dois revólveres e disparou contra o que buscava a posição do franco atirador. Ele caiu morto. Ela se levantou, mas uma estranha dor lhe invadiu completamente fazendo-a de joelhos. Era na cabeça? 
— Ei, novata! — Parker gritou — Cuidado. 
Cuidado? Ainda de arma em punho ela atirou contra outro policial, derrubando-o. Bruce exterminou mais um com seu rifle.
O último veio veloz em seu animal, portando uma escopeta. Ele mirou na pistoleira, mas um projétil de Bruce acertou o seu ombro, fazendo-o errar a investida. Mae atirou com o a sua arma, acertando-o na testa. Ele caiu. A dor ainda se fazia presente. O que ela significava? 
Avermelhados. 
Avermelhados? Bruce aproximou-se com o seu cavalo. Estendeu a mão para que Mae subisse em sua garupa. 
— Vamos — ele disse. 
Avançaram para dentro de Nova. Mal ganharam a rua principal e um pequeno míssil explodiu próximo estraçalhando o cavalo e seus ocupantes. Aquilo que pendia dos seus braços era pele? Músculo? Mae não podia compreender o que estava acontecendo. Os sentidos, confusos. Estava surda? Bruce também estava ferido, mas parecia calmo. Permaneceu deitado enquanto sua perna dilacerada se recompunha.
— Oh, merda — o caubói fez careta de dor — Policiais avermelhados. Dois, é muita coisa. 
Era verdade, Mae sabia. Havia dois policiais estranhamente familiares. Como se fossem feitos da mesma coisa que ela; alma-gêmeas. Os desgraçados eram bons. Terrivelmente bons.
— Estou com medo, Bruce. 
— Não está — o pistoleiro dobrou as pernas já angariando forças para se levantar. — É a reação com os nano-robôs inimigos. 
Eles estavam ali. Dois policiais devidamente fardados de branco. Caminhavam tranquilamente sobre a rua de terra. O de tamanho descomunal portava o lança-míssil, obeso, calvo, de olhos brilhantes em vermelho. Ao seu lado caminhava outro de chapéu branco que cobria os seus cachos dourados. Tinha os olhos claros e pintados por maquiagem. Usava batom nos lábios e tinha um corpo afeminado. Na cintura portava duas armas douradas.                
— Precisava causar todo este alvoroço, Frank?  
Era uma mulher? A voz era de uma. Mae e Bruce a este tempo já se encontravam em pé, mas escondidos atrás de um cocho.
— Saiam, bandidos! — o grandão posicionou sua arma exagerada. — Ou vou explodi-los daqui mesmo. 
— Vamos — Bruce pegou a mão de Mae. — Não podemos nos esconder deles. O confronto é nossa única chance. 
A dupla de pistoleiros ganhou as dependências da rua central. Frank sorriu.
— Ali estão os nossos prêmios, Cris. 
— Eu fico com Bruce. A cabeça dele já vale um bocado em Neo-Texas. — respondeu-lhe o parceiro policial. 
— Eu pego a vadia. Pelo menos vai rolar diversão. — Frank apontou o lança-míssil em direção de Mae Dickson. 
Antes que a explosão se fizesse a bandida saltou para a varanda de uma residência. Bruce também conseguiu se esquivar com facilidade, afinal não era o alvo principal. Cris o fitava com satisfação já de revólver em punho.
— Isso vai ser excitante — falou o policial. 
Num movimento rápido disparou contra Bruce que se defendeu atirando de volta. Os projéteis colidiram no ar e se espalharam. O pistoleiro policial descarregou seus tambores de balas, mas o bandido consegui interceptar todos os disparos. Cris avançou para o corpo a corpo de faca em punho. Bruce desviou da primeira investida, mas a segunda perfurou o seu olho esquerdo a rasgou sua bochecha. Ele levou a mão ao ferimento e acabou tomando um chute entre as pernas. Estava de joelhos quando o policial investiu mais uma vez com sua faca, cravando-a em seu peito e abrindo um ferimento horizontal. Ele tombou para o lado. Perdia muito sangue. 
— Muito bem meu bandido. Agora o tiro na cabeça para garantir que essas merdas de robôs não funcionem mais. 
Cris recarregava a sua arma quando um míssil a partiu em pedaços. Mae empunhava a arma de Frank que jazia a poucos metros. Ela caiu de joelhos. Suas tripas se esfregavam na terra árida. Maldito policial! Ainda não acreditava que havia vencido. Depois do disparo inicial, enquanto Frank recarregava sua arma, Mae avançou contra ele. Quando o inimigo percebeu sua aproximação tentou se defender com o machado que portava preso às costas. Mae avançou mesmo quase partida ao meio, subindo pelo corpo desajeitado de Frank e atirando várias vezes contra a cabeça do grandalhão. Ainda houve tempo de usar o lança-míssil para salvar Bruce. 
Podia morrer feliz. 

22 de julho de 2015

Gaian, o Reinício - Cláudio Almeida

 

Um mundo fantástico

Cláudio Almeida é de Brasília/DF, escritor publicado recentemente pela editora Novo Século com o livro Gaian, o Reinício. Já foi notícia aqui no blog há um bom tempo, quando ainda concebia o livro que resenho (postagem aqui). Com muito trabalho, dedicação e perseverança, o autor é exemplo de que é possível realizar o sonho de ganhar as livrarias. 

Gaian é um mundo fantástico, repleto de magias, lobisomens, elfos e dragões. Como o nome sugere, é o palco para os acontecimentos narrados no livro. Em “O Reinício”, primeiro de sete planejados pelo autor, nos deparamos com a queda de um reinado e suas consequências para o resto do mundo. O subtítulo se justifica pelo ressurgimento dos guerreiros sagrados de Gaian, convocados em tempos de crise. É justamente um desses guerreiros que faz as vezes de personagem principal. Seu nome é Arffek e ele estava lá quando o Reino do Norte sucumbiu perante a investida de traidores. Naquele dia, ele próprio perdeu muito…

O cenário muda, vamos para a pacata Arinon, onde o prefeito Ehlen convoca os seus conselheiros para que novas medidas se segurança sejam tomadas. Ele pressente que algo de ruim está para acontecer. A chegada de Arffek ao local, em busca de um novo guerreiro sagrado dá indícios de que o líder está certo, embora ninguém acredite nele. Por falar no guerreiro sagrada de Eldor, após a Batalha do Grande Salão, como ficou conhecido o embate derradeiro entre os guerreiros do bem e os traidores, Arffek se tornou outra pessoa. Agora mais poderoso, violento e objetivo. Ele é o portador de Austral, a lendária espada de Gaian, chamada de Vingadora dos Céus, e vai empunhá-la para reunir todos os guerreiros sagrados e devolver a paz ao mundo, embora a vingança turve a sua razão algumas ocasiões. Estes são aos elementos iniciais que o autor utilizou para construir sua narrativa épica.

Cláudio Almeida misturou o que há de mais conhecido no gênero fantasia às próprias ideias para conceber uma história marcante. Além das criaturas fantásticas mencionadas anteriormente, o leitor vai se deparar com um sistema de magia bem construído que está à disposição dos paladinos da justiça ou dos inimigos, dependendo do conhecimento do manipulador. O próprio Arffek faz uso de muitos artifícios mágicos ao longo dos seus combates, lembrando em muitas ocasiões um personagem de RPG. Por falar nisso, Gaian, O Reinício é uma obra bastante visual, seja pela descrição de ataques mágicos ou pela narrativa dos combates, extensa. As lutas são dinâmicas, embora longas e o seu desfecho em algumas ocasiões não é propriamente o final.

De forma geral, a maneira de contar do autor é detalhada. Ele utiliza bastantes adjetivos com o intuito de dar ênfase à ação ou ao personagem. Acredito ser requisito do estilo “épico” de narrar reforçar as ideias que se quer colocar ao leitor e isso se desenrola bem em Gaian. Os personagens cumprem o seu papel. Arffek, por exemplo, possui um histórico, uma identidade. Personalidade facilmente deduzida dos acontecimentos pelos quais transpassou. Embora em alguns pontos ele manifeste poderes excessivos, em outros a sua condição emocional o torna frágil. Às vezes esta mesma condição o faz forte também. O primeiro livro de Gaian é introdutório. Há muitas batalhas ainda por vir, inclusive o confronto entre o bem e mal propriamente dito.

Em suma, a obra é um livro de fantasia, calcada em elementos já conhecidos do gênero, somados às ideias e críticas do autor. Um livro visualmente bonito, bem feito, recheado de desenhos nas aberturas de capítulos que não deve em nada ao que se vê fora do país. Dá pra imaginar uma série de TV, filme ou jogo de Gaian sem muito esforço.

Fica a resenha e a dica.

 

Para comprar o livro:

https://www.facebook.com/pages/A-Saga-do-Infinito/715483958562401?sk=app_206803572685797

 

No Facebook:

https://www.facebook.com/pages/A-Saga-do-Infinito/715483958562401?fref=ts

20 de julho de 2015

Promoção, Estela e A Lei do 30

Curta a página e ganhe o livro no dia 13 de agosto


Esta postagem tem o objetivo de sintetizar novidades sobre os meus projetos literários. Como o título sugere (e a blog também), todos os leitores que curtiram ou curtirem a página Paul Law do Facebook, concorrem a um exemplar de Ester 1ª edição. A página fará novo sorteio no dia do lançamento do livro Estela, versão e-book). 

Assim, tanto o sorteio de Ester 1ª edição, quanto o lançamento de Estela e-book se dará no dia 13 de agosto de 2015. O livro físico, como anunciado no blog Cultura BR, será lançado em setembro, no dia 15. Você poderá adquirir o exemplar por aqui ou pela página do Facebook, ok?

O e-book será lançado em agosto no Amazon


Falando agora sobre A Lei do 30, a história da pistoleira Mae Dickson em busca do filho abandonado, cabe esclarecer que por enquanto o único modo de acompanhá-la é através deste blog (pela aba esquerda A Lei do 30). Já existe 12 capítulos disponíveis, além do conto "Começando pelo Fim" que serviu de inspiração para a saga. 

Lei todos os capítulos aqui

Abraço e até a próxima postagem.        

17 de julho de 2015

Tomo XI- Agora eu sei


— Atire em mim — disse Xamã. 
A estrada estava deserta e ambos de frente um para o outro. As tendas posicionadas lateralmente observavam tudo. 
Substituíram o sangue de Mae Dickson por um sintético contendo robôs do tamanho de células, capazes de interagir com similares que estavam espalhados no ar e nas coisas. Os efeitos do procedimento biotecnológico foram inúmeros: era, agora, um ser pálido e tracejado por linhas verdes brilhantes. Elas se faziam até mesmo nas bochechas.
— Não quero fazer isso — ela respondeu ao mentor. 
— Mas eu quero — ele sacou o revólver com habilidade e disparou.
Sem que Mae controlasse os próprios movimentos, sua mão sacou do coldre o seu revolver e devolveu o ataque. Os projéteis colidiram no ar e ricochetearam. 
— Isso não é possível! — ela disse, atônita. 
Ofegante, observou o braço que acabara de desobedecê-la. As suas veias agora tinham o tom vermelho brilhante. 
— Não se distraia menina — Xamã disparou pela segunda vez e atingiu Mae na barriga.
Ela levou a mão ao ferimento.
— Oh, merda — sangue umedecia os seus dedos.  
Antes que pudesse pedir socorro, notou que o ferimento estava deixando de sangrar. Dor também já diminuía. Que haviam feito com ela?
— Isso é incrível! — Mae sorriu apesar da confusão. 
— Você não está fazendo isso direito, Mae Dickson. 
Xamã atirou com os dois revólveres por várias vezes, atingindo Mae nos ombros e joelhos. A menina ganhou a areia com violência. Ela tossiu. Era sangue em sua garganta? O filho da puta queria mesmo matá-la? 
Assim que este pensamento dominou sua cabeça um estranho zunido se fez audível. Não pôde pensar em mais nada. Quando recuperou a consciência Xamã estava no chão, alvejado no peito. 
— Ai, droga! — ela correu em direção do mentor — Eu não queria fazer isso. 
Ele fazia uma careta e se contorcia sobre a areia. 
— O que eu faço agora? 
— Que tal ficar quieta? — o pistoleiro respondeu entredentes.
Mae viu o ferimento do professor se fechando diante dos olhos.
Xamã ensinou que em modo de combate, quanto menos pensava, mais próxima da reação perfeita se encontrava. Aquelas palavras ditas ali sobre a areia não fizeram muito sentido no começo. Depois, no entanto a bandida começou a perceber que as reações automáticas eram as mais perfeitas. Os testes dos dias seguintes lhe mostraram isso. 
— Medite, menina. 
Ele disse quando se encontrava em sua tenda, sem camisa e em posição de lótus. Mae achou estranho, mas se sentou ao lado do professor e imitou sua posição. 
— A meditação ajuda a desligar as interferências que causamos ao avermelhamento. Seu corpo sabe o que fazer. 
A garota tinha dúvida. Era mesmo possível que sabia o que fazer automaticamente? 
— Sim, é possível — Xamã disse. 
— Você lê pensamentos? Isso está me assustando, Xamã!
— Já te expliquei que não sou eu, mas o que os obsoletos espalharam no mundo. 
Houve o silêncio. Mae fechou os olhos. Não demorou a abri-los.
— Eu não vou conseguir fazer isso antes que me explique por que fez isso comigo. 
— Fiz o que fiz por achar que você precisava sobreviver, menina.
Ela não conseguiu mesmo aquietar os seus pensamentos. As lições tiveram fim por aquele dia.
 Mais tarde em sua tenda o sono não foi tranquilo. As vozes não silenciavam, não havia paz num irônico paradoxo. Esvaziar a mente? Como se aquela merda em seu corpo não parava de obter informações de tudo. Como era possível dormir (e viver) com tanta coisa na cabeça? Pulou da precária cama quando percebeu que não tinha mais paciência para dormir em prestação. 
A escuridão começava a amenizar, dando lugar ao frio que antecedia o alvorecer sobre a terra árida, quando Mae deixou sua nova moradia. Os cavalos amarrados a estacas relinchavam boa madrugada. Ela abraçou os ombros, sentia frio. 
Sentir.
Avistou um homem magro escovando um equino. Aproximou-se. 
— Bom dia.
— Bom dia, senhora — ele parou o que vinha fazendo.
— Desculpe, não queria assustá-lo.
— Está tudo bem. Como se sente? Pergunto porque escuto falar sobre o avermelhamento. 
— O que falam? 
— Que é quase como ser Deus. Olhe as tendas. Todo mundo aqui espera pelo dia de ganhar essa chance. De poder fazer alguma coisa, sabe? O líquido é escasso e os próprios pistoleiros acabam consumindo as reservas que possuem para repor o que é perdido.     
Foi ali que Mae começou a entendeu o quanto era importante o que Xamã havia feito com ela; o fato de seu mestre ter lhe dado condições de revidar às injustiças daquele tempo. Ela empunharia o revólver contra qualquer agressor, fosse para salvar a si mesma ou os outros que dependessem dela. 
Após estabelecida a gratidão silenciosa, Mae Dickson passou a treinar com afinco. Meditava, aprendia técnicas de potencializar o avermelhamento e realizava novos experimentos. As vozes se calavam quando tinha determinação. Nunca esqueceu aquele cuidador de cavalos e a esperança daquele povo.   

14 de julho de 2015

O Catálogo de Corpos


O senhor Amadeu sempre foi um homem de poucas palavras, avesso à bajulação. Mesmo assim seus atos sempre foram dignos de honras e ele costumava dizer que era assim que todo mundo deveria se portar. Os atos devem ter valores independente do seu executor. Não é quem faz que deve ser agraciado, mas o que foi feito. Às vezes era rude com aqueles que o rodeava. A idade contribuía para o temperamento objetivo. Não tinha tempo para perder com honras. Com seus sessenta e oito anos, residente em uma cidade pequena do interior do estado, numa chácara para ser exato, tinha uma rotina saudável. Funcionário Público aposentado, nunca almejou riqueza maior do que um teto e comida. Por isso, era feliz. Já fazia hora extra, costuma dizer. Também comentava com os amigos: 
— O que faço, não sou em quem faço, mas quem pode, através de mim. Agora que estou velho, não há muito o que fazer.
Os familiares diziam que era bobagem. Para eles o que o Senhor Amadeu havia feito ia muito além do teto e do alimento. Havia bens angariados pelo patriarca com o objetivo de propiciar à família momentos que valessem por si mesmos. Apartamento na Praia, uma poupança (nunca se sabe) razoável. Cristiano, o filho mais velho, sabia de tudo isso e não escondia os seus interesses. Era um homem bem casado, pai de dois filhos e advogado, contrário a imprevistos. Por conta disso, naquele momento, sentia-se perdido. O caso era grave.
— O seu pai teve um infarto, lamento — foram as palavras do médico quando conversou com Cristiano.
Tudo começou com uma dor forte no peito. Uma ligação a um amigo, um pedido de socorro. Atendimento precário no hospital da sua cidadezinha, encaminhamento para a cidade maior. Espera por vaga na UTI, morte de várias outras pessoas nas mesmas condições. Angustia e finalmente a vaga que não significava cura, mas uma chance.
— Ele ficou muito tempo esperando uma vaga, de modo que as chances diminuíram consideravelmente. Há o procedimento pelo governo, que não é mais do que tentar desentupir as veias com uma medicação ou o procedimento particular.
— Quais são as chances pelo método público? — Cristiano indagou.
— Vou ser franco com o senhor: mínimas.
— E o particular?
— Eu não posso dar detalhes, mas adianto que se há uma chance de salvá-lo, é essa. Na verdade, qualquer pessoa que escolhe por este procedimento possui boa chance.
— Mas como faremos? Qual o preço?
— Não temos muito tempo, mas vou chamar um representante do plano para conversar com o senhor.
Cristiano assentiu. Sentou-se ao lado da esposa e do irmão Eduardo. Ambos ralharam com ele sobre sua hesitação em pagar pelo tratamento do pai. Ele herdara a objetividade e franqueza de Amadeu:
— Se o pai vai morrer de qualquer jeito por que gastar seu dinheiro?
Não tardou para uma mulher de vestido vermelho, salto-alto e meia calça trilhar por aquele corredor vazio. Ela trazia uma prancheta e um sorriso bonito. O corpo todo era perfeito. Os olhos azuis, Cristiano observou bem e notou que havia o número oito tatuado embaixo do direito. A pele era diferente de tudo que o jovem havia visto, oliva e os cabelos pintados de vermelho. O pescoço vinha encoberto por um cachecol preto. Ela continuou em pé e estendeu a mão direita.
— Boa noite, senhores. Sou Suzi.
— Sou Cristiano, boa noite. O doutor disse que você explicaria sobre o procedimento particular.
— Exatamente — ela sorriu. — Entretanto temos que conversar em minha sala, no pavilhão particular. Sigam-me.
Os três parentes do paciente seguiram a mulher pelo corredor deserto do hospital. Ela destrancou uma porta de vidro, donde se lia a palavra Copas e seu símbolo correspondente: um coração vermelho.
— Sentem-se, por favor.
— Suzi, não é? Poderia ser mais direta, por favor? — Cristiano manteve-se em pé.
Ela sorriu. Depois forneceu uma pasta rubra e aveludada que estava sobre a mesa ao homem que se negou a sentar. Cristiano a abriu. A cada página que mudava sua expressão ganhava contornos de confusão. No meio dela, ele desistiu das páginas seguintes. Indagou:
— O que é isso? Não compreendo o motivo de me mostrar corpos sem cabeça.
— O senhor pediu objetividade — ela deu de ombros. — Todos estão em perfeitas condições. Uns são mais bonitos, outros menos. Alguns mais jovens outros nem tanto. O preço está embaixo das imagens.
— Continuo sem compreender.
— Senhor, estou oferecendo um corpo novo para o seu pai.
— Isso é impossível — Cristiano se sentou. 

8 de julho de 2015

Lao-Tsé e a dualidade

Há um tempo publiquei a reflexão "Seja água, meu amigo!". Nela comentei sobre a ideia que permeava o livro de Bruce Lee. Esta ideia é de Lao-Tsé, o nosso autor comentado nessa postagem. Antecipo que não se trata de um estudo filosófico propriamente dito, pois não tenho a intenção (nem a capacidade) de realizar tal tarefa. São comentário de um leigo, um singelo curioso.

Lao-Tsé, o "jovem velho", fala muito sobre a dualidade atinente às coisas. O sentido contrário, o antagonismo. Amor ou ódio; dia ou noite; bem ou mal; homem ou mulher; o Uno ou o Verso. Indo um pouco mais longe ele ensina que não há contrariedade propriamente dita, mas complementação. Uma ideia só pode ser compreendida em sua integralidade quando acompanhada da outra. Assim, o sentido integral de algo só é possível a partir do conceito de toda a dualidade. Só posso saber o que é amor, quando analiso o seu aparente contrário, o ódio. O inverso também é verdadeiro. Seguindo, quando se alcança o conceito integral de algo, por sua própria natureza, perde-se o sentido. Amor deixa de ser amor; dia deixa de ser dia. A "coisa" se torna "ausência". A ausência é o campo a ser preenchido e é para onde todas as coisas convergem. Neste raciocínio, o vazio é Deus.

O livro que revela Deus


Parece um pouco complicado refletir sobre isso e há muito mais em "Tao Te Ching". Para fazer uma ponte entre Bruce Lee e Lao-Tsé, podemos comentar que ambos pregam que a verdadeira forma é não ter forma; que a inteligência humana ou técnica é um modo de afastar o ser da sua verdadeira identidade. Eu consigo perceber que o raciocínio da dualidade também cabe aqui, porque só posso conhecer alguma coisa a partir do seu contrário e quando o faço, percebo que os sentidos se anulam e me levam a um outro, novo, integral, mas impossível de ser compreendido por mim. Então ser água é como estabelecer uma conexão com o que não posso compreender dada a minha condição humana. Embora jamais possa ser como Deus (que é íntegro), quando abandono as amarras dos procedimentos, posso encontrar o meu verdadeiro eu. 

Assim sou livre.    

   

6 de julho de 2015

Tomo X - A tenda


Mae nunca havia cavalgado por tanto tempo. Na verdade, sequer estado num dorso de cavalo, de modo que aqueles dias de viagem foram horríveis. Ela e Xamã na imensidão do deserto buscavam as instalações atuais dos bandidos. Enquanto descansavam à noite, Mae não podia deixar de notar o brilho verde-neon das veias do seu companheiro. Era uma imagem bonita, dava-lhe um destaque especial no deserto, embora não parecesse humano.
— Efeito visual — ele explicou enquanto acendia a fogueira — Verde relaxado, vermelho sob ataque. Yin e Yang.
— Mais coisas que gritam a você?
Ele sorriu de satisfação. Depois apontou para o céu:
— Olhe, estrelas. Elas também brilham, Mae. São lugares distantes. Será que está tudo bem por lá? Também fazemos parte delas e elas de nós.
— Xamã, ainda não compreendi o motivo de ter me trazido. Apenas fiz uma pergunta e se não quer respondê-la, tudo bem.
— Há uma coisa interessante no fato de você estar seguindo comigo. Há muito se dizia que aquele que não sabe a qual direção seguir, qualquer caminho lhe será apropriado.
Mae suspirou e se aconchegou sobre o velho trapo que lhe servia de cama. O velho mexeu no fogo com uma vareta.
— Amanhã tudo fará sentido, não se preocupe.
Foi assim mesmo que ocorreu. Apesar de não tão simplório quanto a conclusão possa parecer. Por volta do meio dia seguinte a dupla encontrou o acampamento dos bandidos. Estava no meio do deserto, mas tinha água, cavalos e tendas. O nome não podia ser outro: A tenda. Era um tipo de comitiva de cavaleiros que avançava pelos desertos de Novo Oeste protegida por pistoleiros avermelhados. Atualmente três: Xamã, Damian e Bruce. Estes bandidos saqueavam cidades em busca de dinheiro e alimentos para os demais ocupantes da Tenda.   
— A lei do 30, Mae — explicou Xamã, enquanto cavalgava lentamente entre as tendas. — Todas essas pessoas sabem bem que é assim que as coisas funcionam e por isso estão conosco. Elas buscam proteção e sabem que depois que partimos das cidades não demora para as coisas voltarem a ser como antes. Um novo xerife, recomeço da exploração assegurado pelos malditos policiais. 
Chegaram a uma carroça maior estava à frente e destoava das tendas. A porta ficava aberta e havia um divã metálico no centro, além de uma estranha máquina posicionada lateralmente. Em cima dela um galão com líquido verde, brilhante.
— Aqui está a belezura que me deu as marcas — ele sacou o revólver. 
Mae ficou confusa. Tentou deixar o lugar mas as pessoas que estavam ali a seguraram. Xamã apontou a arma para o seu peito. Mandou retirar toda a roupa ou lhe mataria ali mesmo. Ela o fez com lágrimas nos olhos.
— Eu não sei como explicar sem mostrar, Mae. Deite-se.
Quando a garota se deitou, não imaginou que estava prestes a sofrer um tipo grotesco de cirurgia. Foi amarrada ao divã. Ouviu um homem dizer:
— Preciso de duas emendas de pulso — ele passou o bisturi sobre o punho de Mae, abrindo-o até a palma da mão.
Não havia anestesia de modo que ela se debateu freneticamente na tentativa inútil de se livrar daquilo. O sangue lhe escorria abundantemente.
— Quanto mais mexer mais sangue vai perder. Fique calma, estamos apenas respondendo à sua pergunta.
Apesar de toda a dor e do desespero por não saber o que estava acontecendo, as tentativas inúteis de se libertar acalmaram-na um pouco. Os dois pequenos canos metálicos foram testados pelo operador da máquina. Um clique e ele aumentou de tamanho, tal qual uma vara de pescar retrátil. Outro clique e ele se retraiu. Foram inseridos entre os nervos do punho da menina. Ela apenas bufava por conta da dor enquanto pontos foram dados nos pulsos. O cirurgião disse:
— Tudo pronto para a inserção dos nano-robôs.
Cabos finos foram desenrolados e plugados nos novos orifícios que sobressaíam dos punhos de Mae. 
— Inserindo o sangue sintético — ele apertou um botão na máquina ao lado.
Assim que o líquido começou a perpassar pelo seu corpo, Mae teve convulsões. As veias estufaram de maneira sobre-humana, verde. O operador da máquina esquadrinhava todo o corpo da garota, conferindo por onde as veias verdes perpassavam, como se pudesse medir o tanto que seria suficiente.
— Inserindo cabo de evacuação de sangue para estabilizar o líquido do corpo.
O coração parecia que ia explodir no seu peito, mas o alívio veio com o plugue do cabo no braço esquerdo. Sangue começou a ser drenado por ali.
— Estabilizando. Processo de avermelhamento quase concluído.
Foram as últimas palavras do cirurgião que Mae ouviu, antes de perder a consciência.
Sonhou. Nele era como se não tivesse mais um corpo físico e pudesse acessar tudo o que tivesse vontade. Todos os lugares eram familiares, as pessoas, os tempos. Não podia se imaginar como um ser isolado, mas uma peça de um todo maior e incrivelmente útil. Era como se sempre soubesse; como se as respostas gritassem por atenção. Podia pegar qualquer uma.
Acordou num pulo. A respiração acelerada a cabeça doendo. Os olhos, o que havia com eles? Que sons eram aqueles? Vomitou. As respostas vinham imediatamente. O difícil era prestar atenção nelas. Mais uma onda de vômito.
— O que vocês fizeram comigo? Essas pessoas, esses lugares, tirem da minha cabeça.
— Bem-vinda, Mae Dickson. Agora você sabe...

3 de julho de 2015

Gaian chegou (literalmente)

Acabou de chegar o livro de estreia do meu amigo autor Claudio Almeida, intitulado de Gaian - O Reinício. Estou ansiosíssimo para lê-lo! O material é de primeira, tem uma capa linda e desenhos. Veja o meu exemplar:


Quer um também? Vá ao lançamento oficial do livro:


Eu vi Gaian ganhar seus primeiros traços num site de publicação on-line e confesso que estou muito feliz com a evolução da obra e do seu autor. Para saber mais sobre o livro, curta a página oficial:


Fica a dica de leitura. 
Abraço.