30 de outubro de 2020

Por que escrevemos sobre o futuro?


Fonte da imagem 


George Orwell pensou em dias que viriam em 1984; Machado de Assis também ao escrever "Bondes Elétricos", crônica de 16/10/1892. De certa perspectiva Frank Herbert também em Duna, sendo este autor já nos anos sessenta preocupado com o impacto das ações humanas sobre o clima. No cinema vimos Matrix, Robocop, Blade Runner. e tantos outros tecendo cenários vindouros não muito animadores.  Por que pensamos o futuro com pouca esperança? Por que escrevemos sobre ele? 

Recentemente comecei a ler Éden do escritor Paulo Uzai Junior. Em breve o autor Fagner JB vai lançar sua obra "Saudoso Futuro" e eu mesmo lançarei Extraordinário Novo Eu ainda em 2020. Nós três também estamos pensando nos dias que virão. O motivo? 

Conversando com o escritor de Saudoso Futuro colhi dele que não seria normal se as pessoas não pensassem no futuro. Principalmente se levarmos em consideração que o presente não parece animador. Para ele, segundo o meu entendimento, escrever sobre dias futuros é deduzir consequências de atos e posturas atuais. É interpretar resultados e estimular esperanças de que alguma coisa mude.

Paulo Uzai Junior tem uma postura distópica, crítica sobre aspectos contemporâneos, o que, ao meu entender, não é alheio ao ponto de vista anterior. Ao que parece, ambos os autores possuem a intenção de compreender o presente, estudando passado e projetando o futuro. Creio que os escritores citados no início do texto também tinham isto em mente.  

Queremos entender o mundo em que vivemos. 

Em Extraordinário Novo Eu, também tento compreender aspectos contemporâneos e seus desdobramentos. Numa abordagem talvez exagerada teço um cenário não tão pessimista (pelo menos do ponto de vista apocalíptico), mas ainda assim perturbador, focado em crises de identidade; o ser e o ter; marcas que possuem em si um valor social; posições e seleções. Embora pregue-se a não discriminação e será assim no meu futuro, imagino grupos bem definidos. Rótulos. Não posso dizer que o meu futuro e menos ou mais pessimista do que o de Éden ou o de Saudoso Futuro, mas não foge a regra de querer entender o mundo (e desejar estar errado?).

No fim acredito que temos receio dos dias que chegarão já prevendo sofrimentos e desigualdades. Historiadores muito mais gabaritados já disseram que para entender o presente é necessário conhecer o passado. Para o futuro? Aplicamos a mesma regra só mudando as palavras fatos históricos por ficção científica.

Para não terminar fatalista, a surpresa ainda é o maior dos substantivos e é ela que pode enterrar todas as previsões. Para o passado ela não funciona, mas para o futuro...

Não digam que não falei de esperanças.      

16 de outubro de 2020

Duna - Frank Herbert


Interplanetário, mas bem terreno 

Em 1965 Frank Herbert publicou Duna, o primeiro livro de uma série de ficção científica interplanetária que viria a se tornar referência no assunto, servindo de inspiração para várias produções cinematográficas, como Star Wars e Star Trek. Na verdade, Duna é um marco da cultura pop, cujos pilares ainda sustem várias produções. O que o livro tem de especial? Talvez sua abordagem política e a visão tecnológica de mundos evoluídos e extraterrestres.

Este primeiro livro conta a história de Paul Atreides, filho do Duque Leto com sua concubina Jéssica. A família que até então governava um planeta cheio de vida chamado Caladan é obrigada a mudar de planeta pelo imperador. Eles vão para Arrakis, o planeta deserto antes governado pelo Barão Harkonnen. No local também conhecido como Duna, Paul descobre que existe um plano entre o imperador e outras casas reais, especialmente a Harkkonen, para exterminar sua família. Então, com apenas 15 anos e com o treinamento especial bene gesserit aplicado por sua mãe, o rapaz terá de enfrentar um mundo hostil e pessoas que querem matá-lo. 

Duna é um livro que começa difícil de entender, pois faz uso de muitos termos criados pelo autor sem nenhum parâmetro com o que conhecemos. Expressões como bene gesserit, suspensores, trajes destiladores, gom jabbar aparecem na história sem explicações. No entanto, conforme a aventura avança e os termos se tornam recorrentes, o leitor vai descobrindo por si só do que se tratam. Seita especial de mulheres super treinadas, dispositivo que ajuda pessoas a se locomoverem com agilidade, roupa coletora de água corporal e teste de dor. No final do livro tem as explicações, mas não são necessárias, já que vamos aprendendo enquanto lemos. 

O personagem central de Duna, Paul Atreides é bem construído. Sua evolução é gradativa, normal. Nada de ser um sujeito especial desde o início. Ele é impulsivo, imaturo, tem medo. Contudo, o treinamento de sua mãe aliado às dificuldades enfrentadas no deserto o ajudam a entender sua condição e o que precisa fazer. Paul, mais tarde adquire uma áurea messiânica, mas isso não é motivo para enfrentar menos dificuldades. 

A povo Fremen, nativo de Duna é tribal, guerreiro, possui sua própria religião e cultura. Aliado a ele o protagonista ganha força e condição de negociar com outras casas (famílias que governam planetas), com a Corporação (a empresa que fornece energia aos planetas) e com o próprio imperador. É nesse ponto que a obra se torna política e bem terrena, explorando alianças, vantagens e chantagens com o intuito de manter, destituir ou aumentar o poder dos governantes. O final da história se dá como resultado de boa articulação política, atrelada a condições favoráveis conseguidas com empenho militar. 

Em suma Duna é sem sombra de dúvidas uma obra ficcional incrível com alegorias inteligentes e precisas sobre governo, mercado e exploração de recursos naturais. Escrito lá em 1965, revolucionária e profético sobre a escassez da água. Herbert teve uma visão de mundo a frente de seu tempo, interpretando consequências que não são evidentes nem mesmo atualmente. Com espaço para ser visualmente interessante, fato explorado em outras produções, Duna não se resume a isso. É uma obra que fala muito da Terra e de seu futuro. 

Extremamente empolgante, fica a resenha e a dica de leitura.  

Abraço.                       

6 de outubro de 2020

Como é o vestido


Professor, antes que fique pensando besteira a meu respeito, vou me descrever nesta carta, está bem? Ah, fico contente que tenha gostado da música que indiquei. Será que João Paulo e Daniel vão fazer sucesso por muito tempo? Eu os acho muito talentosos e torço para que sim. Não pense que eu não entendi o que você quis que eu entendesse, ok? Só que não vou comentar nada. Por enquanto pelo menos.

Quer saber o meu lugar no mundo? Eu prefiro pensar de outra forma.  Agora, por exemplo, estou em um quarto qualquer, numa noite quente comum, escrevendo para um quase completo desconhecido. O meu endereço é um lugar em que não se chega correspondência. Então, é o que você já sabe: Caixa Postal 28. Amanhã, talvez seja outra Caixa Postal, outro agora, outro lugar.

Gostei de saber alguns detalhes de sua vida. Não vou te julgar por nada, fique tranquilo. Até gostei de saber que gosta de ler, sabia? Pessoas que leem são ótimas contadoras de histórias, penso. Eu não gosto de ler, confesso, mas adoro ouvir uma boa história. Tem vezes que nos reunimos na área de casa e ouvimos histórias. Tem noteis aqui que junta meu pai com algum amigo ou vizinho; algum de meus irmãos mais velhos, minha mãe, tia Dalva e tio Honório ou os primos Mauro, César e Davi para ficar falando de várias coisas. Em dado momento (os meus momentos prediletos) alguém puxa uma história. Meu pai conta histórias que ouviu do pai dele que, por sua vez, ouviu do dele. Acho que histórias não ficam velhas, o que acha? Depois, vamos todos dormir. Vou te dizer que tem vezes que acabo sonhando com o que ouvi. Teve uma vez que o pai falou que o avô dele falou que no futuro ia existir uma cobra gigante de metal que serpentearia as montanhas e faria muito barulho. Ele explicou que o vô falava do trem sem nunca ter visto um! Não é incrível? Acha mesmo que também podemos acertar alguma previsão? Se eu fosse apostar em uma, seria num aparelho de comunicação que mostrasse a imagem das pessoas ao se comunicarem. Já viu “Os Jetsons”? Daquele jeito!

Desculpe, prometi que ia me descrever nessa carta e estou enrolando. Ok, lá vai: sou magra, alta, tenho o cabelo preto e rebelde. Não é nem cacheado nem liso. É comprido pra dar peso e ficar menos armado e quase sempre está preso. Tenho olhos castanhos e enxergo muito bem. Meu nariz é fino, assim como a boca. O meu queixo também e o pescoço é mais longo do que eu gostaria. Acho que sou esticada por completo, não sei. No processo de esticamento, fiquei sem peito e bunda e isso me incomoda bastante. Não acho que sou o tipo de mulher que seria cortejada por causa de sua beleza. Na verdade, sou bem comum e quase sempre não sou notada. Falo pouco, como pouco, não falo muito. Se posso me gabar de alguma coisa é dos meus sentidos: sou boa com as mãos, sei ouvir e observar. O meu preferido é o olfato! Sinto o cheiro das coisas com muito entusiasmo; até mesmo do papel que tenho em mãos agora. O cheiro da tinta azul da minha caneta…

Professor, agora pode imaginar como o meu vestido vermelho ficou ótimo em mim. Não importa o que digam, eu gostei dele. De todo modo, vou ficando por aqui, aguardando sua resposta.

Paz Som do Silêncio


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