6 de outubro de 2020

Como é o vestido


Professor, antes que fique pensando besteira a meu respeito, vou me descrever nesta carta, está bem? Ah, fico contente que tenha gostado da música que indiquei. Será que João Paulo e Daniel vão fazer sucesso por muito tempo? Eu os acho muito talentosos e torço para que sim. Não pense que eu não entendi o que você quis que eu entendesse, ok? Só que não vou comentar nada. Por enquanto pelo menos.

Quer saber o meu lugar no mundo? Eu prefiro pensar de outra forma.  Agora, por exemplo, estou em um quarto qualquer, numa noite quente comum, escrevendo para um quase completo desconhecido. O meu endereço é um lugar em que não se chega correspondência. Então, é o que você já sabe: Caixa Postal 28. Amanhã, talvez seja outra Caixa Postal, outro agora, outro lugar.

Gostei de saber alguns detalhes de sua vida. Não vou te julgar por nada, fique tranquilo. Até gostei de saber que gosta de ler, sabia? Pessoas que leem são ótimas contadoras de histórias, penso. Eu não gosto de ler, confesso, mas adoro ouvir uma boa história. Tem vezes que nos reunimos na área de casa e ouvimos histórias. Tem noteis aqui que junta meu pai com algum amigo ou vizinho; algum de meus irmãos mais velhos, minha mãe, tia Dalva e tio Honório ou os primos Mauro, César e Davi para ficar falando de várias coisas. Em dado momento (os meus momentos prediletos) alguém puxa uma história. Meu pai conta histórias que ouviu do pai dele que, por sua vez, ouviu do dele. Acho que histórias não ficam velhas, o que acha? Depois, vamos todos dormir. Vou te dizer que tem vezes que acabo sonhando com o que ouvi. Teve uma vez que o pai falou que o avô dele falou que no futuro ia existir uma cobra gigante de metal que serpentearia as montanhas e faria muito barulho. Ele explicou que o vô falava do trem sem nunca ter visto um! Não é incrível? Acha mesmo que também podemos acertar alguma previsão? Se eu fosse apostar em uma, seria num aparelho de comunicação que mostrasse a imagem das pessoas ao se comunicarem. Já viu “Os Jetsons”? Daquele jeito!

Desculpe, prometi que ia me descrever nessa carta e estou enrolando. Ok, lá vai: sou magra, alta, tenho o cabelo preto e rebelde. Não é nem cacheado nem liso. É comprido pra dar peso e ficar menos armado e quase sempre está preso. Tenho olhos castanhos e enxergo muito bem. Meu nariz é fino, assim como a boca. O meu queixo também e o pescoço é mais longo do que eu gostaria. Acho que sou esticada por completo, não sei. No processo de esticamento, fiquei sem peito e bunda e isso me incomoda bastante. Não acho que sou o tipo de mulher que seria cortejada por causa de sua beleza. Na verdade, sou bem comum e quase sempre não sou notada. Falo pouco, como pouco, não falo muito. Se posso me gabar de alguma coisa é dos meus sentidos: sou boa com as mãos, sei ouvir e observar. O meu preferido é o olfato! Sinto o cheiro das coisas com muito entusiasmo; até mesmo do papel que tenho em mãos agora. O cheiro da tinta azul da minha caneta…

Professor, agora pode imaginar como o meu vestido vermelho ficou ótimo em mim. Não importa o que digam, eu gostei dele. De todo modo, vou ficando por aqui, aguardando sua resposta.

Paz Som do Silêncio


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