20 de julho de 2018

Codinome B


Ele me abraça com desejo, embriagado pelo cheiro do meu perfume. Minha pele exposta, frágil como nunca deixo acontecer. Ele não sabe, ninguém sabe o que arrisco naquele momento. O meu rosto, quando o vi pela última vez? Se as luzes estivessem acesas eu poderia vê-lo de novo. O homem beija os meus lábios com intensidade, sinto o cheiro de bebida e cigarro. 

Já chega. 

Eu só preciso deixar de pensar para que o que há em mim extravase. Não posso sentir o sangue que deixa aquele corpo flácido agora perfurado por minhas lanças sobrenaturais. Rápido como se mil facas o atravessassem com a velocidade de projéteis de arma de fogo. Letal sim, indolor? Não sei, tomara que não. O seu corpo como papel de seda está fragmentado sobre mim; sobre o que sou de verdade. Acho que a armadura gosta de ser banhada em sangue. É como lubrificante para ela. Os pedaços de pele, carne e outros dejetos humanos continuam sobre mim, sobre a cama. 

É a primeira vez que mato um político. É a primeira vez que mato desse jeito, fingindo ser uma mulher. Bem, eu era uma, mas as coisas mudaram depois que entreguei minha alma ao demônio. Não foi tão ruim assim. Eu me sento, pedaços caem no chão. Levanto-me, estou totalmente coberta pela armadura; sou uma guerreira que não pode ser atingida por lâminas ou disparos de arma de fogo. Aproximo-me da porta, destranco-a, deixo o quarto e caminho até a saída do motel luxuoso. Seguranças se colocam no meu caminho, mas ao me observarem, ficam apavorados. Eu não os culpo, também fiquei quando vi a armadura pela primeira vez. Um deles dispara contra mim. O projétil ricocheteia em meu elmo escurecido. Ele se afasta. Devo matá-lo? É prudente acabar com todos aqueles que defendem o meu alvo principal? Tiririca, por menor que seja comparada à plantação, pode proliferar e dominar todo o solo, sobrepujando plantas boas. 

Posiciono-me como se houvesse um arco-e-flecha em minhas mãos. O metal mágico que cobre o meu corpo se expande para cima e para baixo, formando o arco de caça sobre minha mão esquerda. Da palma da mão direita sai uma flecha. Fricciono-a sobre o arco, encaixando sua base na fina linha metálica. Disparo. O segurança que atirou contra mim é atingido na cabeça. Criou outra flecha e assim, sucessivamente, mato todos os defensores do meu alvo. 

Funcionários do motel agora estão no corredor, apavorados. Eu faço o arco desaparecer e gesticulo sinal pedindo silêncio. Aproximo-me dos corpos para recolher minhas flechas, parte de mim. Ao final do trabalho uma camareira me chama:

— Ei você, seja lá o que for, parabéns!

— Acha que espero congratulações? 

— Calma, eu só estou dizendo que eu conheço o Doutor Maurício. Ele é vereador e todo mundo sabe que está envolvido em desvio de dinheiro. O negócio de casas populares, sabe? Muitas famílias carentes estão vivendo de aluguel ou nas ruas porque ele pegou o dinheiro que era destinado à construção de moradias para pessoas de baixa renda. Eu sou uma dessas pessoas! Meu aluguel está atrasado! Se eu não der um jeito até o final do mês, terei que ir para a rua com os meus meninos! E olha que eu trabalho pra caramba, mas não consigo sustentar meus três filhos e ainda pagar aluguel. E este filho da puta, desviou o dinheiro que seria usado para construir minha casinha. Que queime no Inferno!

Mogi Guaçu, 14 de maio de 2018, Paul Law

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