20 de setembro de 2013

O Caçador de Pipas


O Caçador De Pipas

A guerra acontece fora e dentro de cada um

É curioso como nossa ignorância nos molda. Como, apesar de ver, não vemos. Essa ignorância dormente e conveniente pode ser incomodada com a leitura e benditos sejam os autores por isso! É o que acontece com “O Caçador de Pipas” de Khaled Hosseini. O romance que conta a vida do afegão Amir pelos olhos do próprio é um relato emocionante sobre a cultura do Oriente Médio. Seus costumes, sua religião e suas guerras. Um mundo novo, pautado na honra (mas nem tanto assim), na severidade das consequências e nas aparências.

A história começa com Amir já adulto, refletindo sobre um telefonema que acabara de receber de sua terra natal. Um velho amigo está nos últimos dias e deseja vê-lo; pedir-lhe para “consertar as coisas que há muito foram quebradas”. A proposta é um convite para a lembrança, para passadas por tudo que ele viveu para chegar ali; para ser quem era.

Voltamos ao Afeganistão da década de setenta. Um país monárquico onde a tradição é seguida a risca e a honra é fundamental. Amir agora tem doze anos e mora na mansão do pai, junto de Ali e Hassan. Estes dois são hazaras, um tipo inferior de gente segundo o costume afegão. Eles funcionam como empregados, apesar de serem tratados como amigos pelo pai de Amir. O narrador é introspectivo e um leitor voraz características que o difere substancialmente de seu pai, quem tem como grande herói. As pessoas que frequentam sua residência contribuem para a idolatria de seu pai. Ele está construindo um orfanato! 

O único amigo de Amir é Hassan, como estava propício a ser. Os meninos estão sempre juntos e a brincadeira preferida deles é empinar pipa. É justamente numa dessas brincadeiras que a vida do narrador muda drasticamente. A ocasião é especial, um tradicional torneio de pipas assistido pelas autoridades de Cabul. Dentre elas está o pai de Amir, quem não sente muito orgulho do filho, pois ele é tão diferente. Não joga bola, está sempre enfiado em algum livro. Amir enxerga a oportunidade para mostrar ao pai que pode vencer; que pode ser igual a ele. Hassan está ao seu lado. Eles podem fazer isso. 

A disputa a acirrada. As pipas no céu vão diminuindo, cortadas pelos melhores empinadores. O narrador se mantém no céu. Fica entre os dez melhores, entre os cinco e ao final a apenas uma pipa da vitória. O duelo final começa e Amir consegue a tão almejada vitória. O troféu é a pipa verde, a última a se manter no céu antes de ser vencida por Amir. Hassan promete ao amigo que trará o troféu que agora dança em queda lenta. “Eu faria isso mil vezes por você!” Só que as coisas não acabam bem, apesar de o caçador de pipas cumprir sua promessa.

O que aconteceu com Hassan a fim de trazer o troféu para Amir, marcou o narrador para sempre. Mostrou sua covardia, deslealdade e desencadeou mais defeitos que eram sempre rebatidos pela lealdade e bondade do amigo socialmente inferior. No aniversário de treze anos, Amir armou a sua maior maldade que acabou culminando na saída de Hassan e seu pai da casa em que moravam. Foi a primeira vez o narrador viu seu baba chorar. 

A guerra entra em cena, Cabul está tomada pela Rússia. Amir e o pai são forçados a abandonar tudo para manterem-se vivos, refugiando-se em cidades ainda não invadidas. A fuga é angustiante, mas acaba com a chegada nos EUA. Nova vida aguarda a dupla afegã, uma vida submissa, de empregos hazaras (inferiores) e de pobreza.

Porém, por mais que o tempo passasse; que novos rumos impostos pela guerra tiveram de ser tomados, Amir nunca pôde ficar em paz consigo mesmo. Ele estava em guerra muito antes da invasão dos soldados russos. Ele permaneceu assim, durante a nova vida nos EUA, mesmo tento realizado o sonho de ser escritor e de constituir família. O telefonema do velho amigo é o que pode dar-lhe o alento tão almejado; o fim da guerra.

O Caçador de Pipas é uma obra completa. O relato das mudanças sofridas ao longo do tempo no Afeganistão serve com pano de fundo para uma história comovente que alcança três gerações. Um povo que sofreu os horrores das guerras, da fome, da submissão e do extremismo, mas que nunca deixou de acreditar no dia melhor. Triste o que o ser humano é capaz de fazer com outro ser humano. Sua capacidade de destruir de todas as formas possíveis, mas, por outro lado, a surpreendente capacidade dos destruídos em se reconstruírem. 

Se Sócrates estivesse vivo, estaria satisfeito. A alma das coisas está na capacidade de nos surpreender. Hosseini faz isso com maestria. Leitura cinco estrelas.

Fica a dica e a resenha.
Abraço.

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