12 de novembro de 2015

Tomo XXIII - Seja água, meu amigo!


— Xerife, o senhor não terá apoio — disse o serviçal de confiança a Morrison. — Esses malucos da Associação estão pregando democracia; justiça. Não sei onde acharam estes termos. O próprio xerife Gilbert Wilde de Aquária é um adepto do movimento. 
— Está me dizendo que ele está agindo pelas minhas costas? — Roland deu um soco em sua escrivaninha. 
— Não sei, mas acho que não é vantajoso adotar uma postura contrária. O senhor poderia se aproveitar disso... 
O empregado então contou ao xerife sobre os benefícios de ficar do lado dos bandidos símbolos da Associação. Ele poderia recuperar o prestígio perdido com o desastroso duelo televisivo de anos antes. Ao invés de manter o seu poder pela força, poderia fazê-lo pela política. A melhor submissão é aquela que desejamos, não a que é imposta. 
Roland não precisou de mais para imaginar um novo espetáculo. Ousaria ligar a estação de TV. Eram novos tempos. 
   
Bruce Parker ficou apreensivo quando recebeu a notícia de que os telões seriam ligados. O que Roland Morrison tinha em mente dessa vez? Tentaria executar seus antigos companheiros ao vivo? Era a cara dele. Respirou fundo e voltou os olhos para os outros membros da Associação que estavam hospedados no hotel de Neo Texas, na ocasião sentados em frente a rara e velha TV ligada do saguão principal. Uma mão pequena se entrelaçou a dele, era a de Mary. Estavam todos reunidos para assistir a transmissão, afinal ela seria decisiva para as ações futuras do grupo. 
A tela se acendeu, chuviscada. O som alto. Depois a bandeira de Neo Texas e o silêncio. Então a imagem mudou para a delegacia da capital, para a mesa do xerife Roland Morrison. Ele estava com o seu melhor terno, a estrela dourada no peito e o sorriso no rosto. Começou:
— Estou reativando os telões das praças das cidades depois da desastrosa tentativa inicial. Dessa vez não vamos mostrar duelos, nem execuções. O objetivo da transmissão é informar ao mundo a libertação de Mae Dickson e Damian Wayne, os últimos bandidos. Quero registrar aqui o meu apoio à Associação e as ideias de democracia e justiça. Por entender injusto manter presa uma mãe que vitimou o próprio filho por causa do avermelhamento é que estou tomando esta decisão. Tendo em vista o estado psicológico de Mae Dickson optei também em conceder a liberdade ao seu companheiro Damian Wayne, a fim de que ele cuide dela. 
O xerife mostrou as chaves da cela. Depois continuou:
— Embora Aquária tenha mandado representes para auxiliar os bandidos, os dois terão também total assistência de Neo Texas, inclusive médica. O lamentável episódio do duelo mostrou o quanto deixamos de ser humanos ao longo dos anos e que a tecnologia dos obsoletos usada de forma desenfreada pode causar danos terríveis. Mae Dickson é o exemplo vivo dessa imprudência e uma chance de pensarmos sobre o assunto. Nesta mesma ocasião estou informando que o uso da tecnologia de avermelhamento, a partir de agora, está terminantemente proibido. 
— Por último, gostaria de pedir desculpas públicas pelas minhas atitudes anteriores. Tal qual qualquer um de vocês, as imagens do confronto entre mãe e filho me fizeram entender que algo está errado. Vamos juntos tentar descobrir o que é. 
A câmera foi afastada do xerife para ser focalizada nas celas. Havia alguns policiais presentes e alguns habitantes. Morrison se aproximou das grades e colocou a chave na fechadura. Os dois bandidos tinham sido colocados em mesma cela para simplificar a filmagem da soltura.  Mae Dikson continuou sentada em seu velho colchão de palha, alheia ao teatro que se desenrolava ali. Damian foi quem levantou a cabeça para encarar o sorriso do xerife.
— Vocês estão livres! — disse Roland. 
Wayne não disse nada ao libertador. Levantou-se. Falou a Mae:              
— Venha comigo. 
Ela se levantou imediatamente. Assim como o seu companheiro de cela, vestia um macacão largo e encardido, amarelado. Os dois se aproximaram da saída e do xerife Morrison. Ele estendeu a mão a Damian, mas ele não o cumprimentou, fato que o fez sem jeito perante as câmeras e aos presentes. Ele disfarçou e ofereceu sua mão a Mae. Ela o cumprimentou com um sorriso inexpressivo no rosto.

FIM

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