20 de setembro de 2017

A Máquina



A primeira vez que ele a viu, mesmo tendo ouvido falar, não soube precisar o que era. Uma televisão? Um rádio? As duas coisas juntas? Aproximou-se, cores berrantes, alavancas, botões. O cômodo era escuro. Seu amigo contou-lhe que havia perdido toda a manhã anterior ali. O dono do estabelecimento fez como se eles não estivessem no local, se enfiou entre duas daquelas máquinas e as ligou. O som saiu antes da imagem, alto. Incrível.

Funcionava com fichas, como os orelhões, percebeu. Pequenos círculos metálicos com os dizeres "havai" deveriam ser inseridos na parte de baixo da máquina para dar-lhe alguns minutos de diversão. Dez centavos, um crédito. Era difícil ter uma moeda para trocar por uma ficha, mas dava um jeito. Também, se não desse não tinha problema: observar a máquina já lhe bastava. Via-na como um símbolo da cidade, da modernidade, não conhecia a palavra tecnologia para usá-la.

O desempenho na escola caiu. As imagens da tela de tubo não saía da cabeça. Repetia o som dos golpes dos lutadores, coisa de infância atrasada. Enforcava aula (chamava assim gazear, encabular, não entrar na escola), mas ninguém dava falta, afinal era invisível. Trocava coisas velhas por moedas, a fim de conseguir alguns minutos no controle da máquina. O dono das máquinas era discreto, como todo bom dono de algo importante. Talvez não se importasse, talvez estivesse ocupado com algo importante. Como poderia imaginar que estava em seus últimos anos? Mas a vida é assim, momentos que ficam, mas passam; pessoas que são, mas foram. Tudo na memória de alguém que se vai. 

Não havia felicidade maior do que estar diante da tela.           

   

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