3 de fevereiro de 2015

O Enigma e o Espelho

 

Temos o mundo e não o contrário

Mais uma vez Jostein Gaarder faz romance com filosofia. Dessa vez, no entanto, concentra sua escrita na condição humana. O Enigma e o Espelho é um livro que explora o conceito de humanidade até suas últimas consequências. Apesar de curto, rápido e de fácil leitura (como é característica do autor) não se trata de leitura superficial. Pelo contrário, somos provocados a pensar.

A obra conta a história de Cecille, uma jovem que por conta da doença não pode desfrutar completamente da festa de Natal e da presença dos familiares. A menina passa a maioria dos seus dias na cama em seu quarto, apenas escutando a agitação lá fora. Apesar da sua tênue idade e da gravidade da enfermidade, ela não deixa de fazer planos; de sonhar com o dia em que poderá experimentar os seus esquis novos (o presente daquele Natal). A família não tem as mesmas esperanças…

A vida da garota ganha nova perspectiva quando começa a receber a visita inusitada do pequeno anjo Ariel. É com ele que ela começa a descobrir muitas coisas, principalmente as peculiaridades de ser quem ela é. Ariel por sua própria natureza não faz a mínima ideia do que é ser humano. Ela vai lhe explicando e ele retribui contando como é ser um anjo e as características do Universo, assim como as de Deus. É do anjo que Cecille descobre não pertencermos ao mundo, mas, por conta da nossa brevidade existencial, o mundo nos pertence. No tempo em que estamos vivos, Deus nos dá o mundo todo de presente. Só por isso ela já se sente agradecida. Mas não é só essa reflexão que a protagonista alcança. Muitas outras, mas não me cabe estragar a surpresa.

O Enigma e o Espelho faz referência filosófica a vários temas interessantes. Gaarder, dessa vez leva a sério o título do livro de Nietzsche “Humano, demasiado humano” ao explorar os sentimentos, as deduções e visões que só podemos ter a partir de nós mesmos. O câncer de Cecille que a princípio poderia provocar no leitor diverso sentimentos (pena, compaixão, temor, identificação, etc.) e garantir a emoção, não tem esta finalidade. Isto, para mim é genial e foge ao comum “A Culpa é das Estrelas”. Aqui, Cecille está doente e o pior pode mesmo acontecer, mas não é por isso que sua história vale a leitura. Como dito, é o entendimento que tal condição impõe à protagonista.  A situação da menina é justamente para fazer com que paremos para pensar, nem que para isso tenhamos que estar doente (como de fato ocorre com muitas pessoas).

O Enigma e o Espelho é um livro em dois planos: real e imaginário. Tem conclusão satisfatória em ambos. Comparações com “O Pequeno Príncipe” não podem ser evitadas. Escrever na linha fina entre o real e o fantástico é um dom de poucos e que conta muito com a participação do leitor, afinal, ele deve se deixar levar pelas borboletas do imaginário. Gaarder sempre conta com seus leitores, realizando um trabalho simples, intenso e rico. Tudo isso porque ele planta e nós cuidamos para que dê flores.  Ótimo livro (de novo).

Fica a resenha e a dica.         

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