15 de junho de 2015

Tomo VIII - Arrependimento

capa a lei do 30

Flink pediu a Richard Wally, o líder dos seus homens que abaixasse a arma. O sujeito era grande, tinha um braço cibernético e estava avermelhado até a tampa. O chapéu largo escondia os óculos escuros. Ele concordou sem palavras.
Donovan era um poderoso xerife, dono de uma cidade altamente lucrativa e envolver-se com os bandidos não era vantajoso.
— Acalme-se — disse à visitante.
Fornecesse à mulher o que ela desejava e pouparia maiores problemas. Poderia matá-la, mas odiava sangue, tiroteio e toda aquela frenética rotina daqueles tempos. Paz, era o seu desejo. Cindy também já estava velha demais para ser escrava.
— Não me faça puxar este maldito gatilho, Flink! Onde está o meu filho?
— Você é impulsiva, menina. Está em desvantagem e ainda faz ameaças? Estou disposto a dar-lhe as informações, mas terá de ser do meu modo — ele retirou os óculos.
Fez um sinal aos homens, indicando que poderiam sair.
— Guarde a arma, vamos conversar — ele se virou e voltou ao aposento do segundo andar da delegacia.
Mae subiu, ainda de arma em punho. Quando chegou, o homem de cabelos grisalhos e terno fino estava atrás de sua mesa e depositando uísque em um copo.
— Você é a escrava que atirou em Madison, certo?
Mae não respondeu. O xerife continuou:
— Contaram-me que Ruben pediu clemência; te ofereceu o menino. Você não quis por quê?
— Não é da sua conta. Apenas diga como posso encontrar o meu filho.
— Raul é um bom menino, você tem de ver. Estudou aqui em Liandra por um tempo, mas suas habilidades o levaram para um lugar melhor.
— Qual lugar? — Mae bebeu de uma vez o conteúdo do copo.
— A capital Neo Texas.
Mae se levantou para deixar o local, mas Donovan ainda lhe disse:
— Se eu fosse você não iria atrás dele. O garoto é um policial agora. E dos bons...
Ela apenas o encarou.
Já em terreno aberto, rumo à capital, Mae tinha os pensamentos em Cindy. Sentia uma estranha afinidade com a escrava que acabara de matar. Remorso também. Matar, a palavra era quase surreal. Atirou de maneira automática contra quem, segundo padrões pré-definidos, representava perigo. Era assim que funcionava aquele monte de robôs minúsculos do seu corpo. Como os obsoletos haviam chegado a tal ponto? Por que, diabos, inventaram um modo de suprir a liberdade das pessoas? Agora ela colhia os frutos podres daquela época: um mundo dividido em cidades/empresas, vigiado por policiais/mercenários, cujas pessoas não podiam (nem tinham como) planejar o que fazer. Seria irônico se não fosse apavorante o fato de o símbolo maior daqueles dias estar impregnado no seu próprio sangue. Quando estava consciente, o que julgava ocorrer apenas enquanto não se sentia ameaçada, pensava nas contradições do seu tempo. Uma herança maldita.
— A magia dos obsoletos está em tudo, Mae — a voz de Xamã ainda se fazia tão viva na mente dela. — No ar, nos prédios corroídos pelo tempo. Nas armas, nos projéteis e nas pessoas. Malditos robôs diminutos que sabem de tudo. Os desgraçados não morrem, menina. Nunca.
Um disparo de arma de grande calibre atravessou o peito de Mae e a derrubou violentamente do animal que cavalgava. Rolou pela areia por um tempo, o chapéu se separou da cabeça e o cérebro apagou de uma vez. Quem havia sido tão rápido? Foi o primeiro pensamento ao ressuscitar sobre o seu sangue quente. Tossiu. Colocou-se de joelhos e observou as botas lustradas do seu algoz.
— Fácil — ele disse numa voz distorcida por algum tipo de mecanismo eletrônico.
Ela já o vira antes. Mas não tinha reparada nas calças apertadas. Nem na capa negra que agora tremulava. As veias do corpo brilhavam intensamente em vermelho. E aquela voz? Que diabo era aquilo?
— Flink me mandou para acabar com você — falou Richard Wally, o chefe dos policias de Liandra.
Continue falando, foi o que Mae pensou ao sacar sua arma com velocidade e disparar contra o pistoleiro. Ele reagiu no mesmo instante com seu fuzil de assalto. O projétil da bandida foi esmagado no ar pelo da arma inimiga e ela foi atingida mais uma vez no peito.
Mais uma perda momentânea de consciência. Por que ele não me mata de uma vez? Arrastou-se para tentar uma fuga.
— Eu adoro o cheiro de sangue, sabia? Ah, vai ser ótimo beber todo o seu!
Que homem estranho era aquele? Parecia um robô com partes humanas.
— Eu sou igual a você, Mae. Só que do lado dos mocinhos — ele riu.
— Eu só quero ver meu filho.
— Você deveria implorar pela vida.
Ele avançou com a arma em punho, mas deu-lhe um chute nas costelas. Quanto de dor, podia suportar? Mae mordeu os lábios e se contorceu sobre a areia. O inimigo atirou o fuzil para longe. Sacou do coldre um revólver e disparou contra a coluna de Mae.
Ela perdeu os movimentos dos braços e pernas. Ele começou a revirar o seu colante negro umedecido de sangue.
— Só um pouco de diversão antes de eu te matar.
Mae fechou os olhos e esperou que Wally fizesse o seu serviço; que demorasse no processo para que o seu corpo se recuperasse e ela pudesse reagir. Naquele momento ele parecia mais humano do que máquina e ela esperou pacientemente o momento certo. Tinha apenas uma chance. Quando a ação terminou, o caubói se desvencilhou do corpo dela, exausto. Mae agiu rápido, pois já tinha identificado a posição do coldre enquanto a coisa toda acontecia. Sacou a arma e desferiu um tiro na cabeça de Richard. Com o revólver em punho, nua, suja, agora tinha tempo para chorar. Foi o que fez enquanto o inimigo estrebuchava. Déjà vu?

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