23 de fevereiro de 2016

NINGUÉM ESTAVA VENDO


Alguns diziam que ele havia perdido o equilíbrio e caído. Outros, que tinha sido agredido por ladrões ao tentar reagir ao assalto. Uma ou outra versão não mudava o fato de estar morrendo. Ali, cercado por curiosos com seus importantes aparelhos de mão, tinha suas derradeiras convulsões. Uma discreta poça de sangue circundava sua cabeça. Era um homem íntegro, pai de cinco filhos, trabalhador. Sublime sabia disso e por isso não podia interferir. Ninguém pode. Os seus milhares de anos lhe deram a certeza de que há um mecanismo complexo gerindo os seres vivos. Brechas? Falhas ou como é mesmo o termo da moda? Bugs? Impossível. 
Aproximou-se do homem contorcido. Acariciou-lhe os cabelos. 
— Você é um anjo? — perguntou o homem que não sabia como podia falar. 
— Sou o que você acredita que sou.
— Promete cuidar dos meus filhos? Da minha esposa? 
— Você acredita que eu posso fazer isso?
Ele sorriu e morreu.

Acordou. Um pesadelo. Não iria ao mercado naquele dia.

Uma noite qualquer. Um orfanato. A pequena menina ruiva terminou sua oração com um amém. Outra menina, negra, aproximou-se:
— Como você conseguiu? — ela indagou à primeira.
— Ninguém estava vendo e ele acreditava que fosse possível. 
— Sublime, Sublime, se te pegam quebrando as regras! 
— Nenhuma regra foi quebrada, Bélica. Para eles não há diferença substancial entre sonho e realidade. Isso já estava assim antes da nossa chegada. Eu apenas troquei um pelo outro e o homem vive. 

2 comentários:

  1. "... não há diferença substancial entre sonho e realidade."

    Talvez o sonho e a realidade sejam separados por uma linha tênue. Talvez sonho e realidade sejam dois mundos distintos. O mundo dos sonhos, creio eu, que seja o mundo ideal, onde tudo é possível; ondo somos o que queremos ser; bastando apenas sonhar. A realidade é o mundo rea, onde as coisas de fato são. Mas, talvez, podemos trazer alguns elementos do mundo dos sonhos, para o mundo real. Vice e versa.

    Talvez tudo seja uma questão de pensamento e de imaginação.

    Finalizo esse singelo comentário, com um trecho da música "Felicidade", feita por Lupicínio Rodrigues:

    "O pensamento parece uma coisa à toa
    Mas como é que a gente voa
    quando começa a pensar"

    Amigo Paul Law, abraços e parabéns pela grande sacada!

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    1. Suas visitas sempre acrescentam algo de bom, meu amigo. Obrigado pela contextualização e o trecho de música. Grande abraço.

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