11 de janeiro de 2017

O Primeiro Capítulo de Ester



Capítulo I
Era uma vez

— Por acaso sabe como faço para voltar a minha casa? — perguntou Ester àquele homem que encontrara em seu caminho
O homem surpreso pela pergunta e por ver mais alguém além de si por ali, virou-se para a interrogadora:
— Onde moras? — baforou a fumaça do cigarro que fumava.
— Moro na Rua das Seriemas! Na cidade — Ester colocou a mão sobre os olhos para protegê-los do sol.
— Cidade? Acho que não há nenhuma por estas bandas.
A criança suspirou. Era uma menininha de oito anos e de pele clarinha, já toda vermelha por causa do sol. Tinha o vestido azulado com algumas rendas brancas, bem judiado pelo tempo. Seus cabelos eram dourados, tecidos por cachos grandes. Os olhos de um azul esverdeado e suas bochechas bastante rosadas. Carregava consigo uma boneca de louça de madeixas lisas e amareladas cujo nome era Amélia.
— Mas eu sei quem pode ajudá-la — o homem jogou a bituca do cigarro no chão árido e pisou sobre ela. — O Mascate Zeca vende de tudo e certamente terá um caminho para casa que possa vender a você.
Ester se alegrou como da oportunidade em que avistara aquele pálido e magro senhor.
— Oh! Que maravilha! Onde eu encontro esse tal mascate? — depois de dizer, refletiu — E o que é um mascate?
— Mascate é toda pessoa que vive do comércio! Aqueles que vendem as coisas, entende?
A menininha assentiu com toda a sua atenção, mas então, antes que sua primeira pergunta fosse respondida ouviu-se passos firmes. Ester colocou a mão sobre os olhos mais uma vez e fitou um pequeno exército que se aproximava. Eles vestiam vermelho e lembravam muito soldadinhos de chumbo. O homem pálido que agora parecia desolado procurou outro cigarro em sua camisa rasgada:
— Lá vêm eles.
— São seus amigos? — Ester quis saber.
— Não — o homem acendeu outro cigarro. — Eles são soldados. Estão aqui para me matar de novo — baforou.
Ester colocou a mão nos lábios, assustada:
— Matar você? Por que não foge?
— De que me adiantaria? Se escapar hoje, amanhã não terei a mesma sorte. Morro uma vez por dia.
— Que fez para merecer esse castigo?
O homem magro e pálido tinha os cabelos pintados pela poeira. Suas vestes, que estavam em farrapos, consistiam em uma camisa xadrez velha e uma calça jeans desbotada. Tinha quarenta anos, ou um pouco mais e os olhos de um castanho cansado.
— Morrer todos os dias é a pena que recebi por ter cometido um crime — respondeu ele.
Ester não pôde entender o que significava crime e nem pena. Sabia que era algo muito ruim, tirando por base a cara de leite azedo que seu novo amigo tinha feito:
— Venha comigo! Vamos fugir — a menina agarrou o braço do homem.
— Não vai adiantar.
— Claro que vai! — a criança forçou para arrastar o desanimado — Corra!
Os solados de vermelho que estavam mais próximos sacaram seus rifles de forma sincronizada e ao mesmo tempo em que marchavam, miraram para a dupla que pretendia fugir. Ao som dos disparos das armas de fogo, Ester e seu novo amigo dispararam deserto adentro em fuga. Como os soldados andavam apenas em ritmo de marcha militar, com um pouco de esforço, conseguiram escapar.
Os pezinhos de Ester que batiam com força sobre o solo árido daquela região, seguidos pelos do homem que deveria morrer todos os dias, não descansaram até que não se ouviu mais nenhum disparo e nem o som das botinas dos soldados.
— Estamos salvos! — a  pequena olhou para trás e não viu nenhum inimigo. — Que bom.
— Passarei a noite vivo dessa vez — sorriu o homem.
— Como chamas? Estamos a conversar e ainda não sei o seu nome.
— Minha graça é Baltazar e a sua?
— Chamo-me Ester; como minha falecida avó se chamava.
— Falecida? Por quantas vezes?
— Ah não! De onde venho, falece-se apenas uma vez.
— Entendo — fez-se uma pausa de alguns segundos. — Como me ajudou a escapar dos soldados eu vou levá-la ao Mascate! — Baltazar mesmo quebrou a quietude.
Ester havia se esquecido! O Mascate Zeca lhe ajudaria a voltar para casa. Baltazar disse que ele poderia vender-lhe um caminho de volta.
— Sim, Baltazar! Eu ficaria imensamente grata!
O homem magro sorriu e balançou sua cabeça:
— Pois então me siga!

O Deserto onde a menina Ester tinha encontrado Baltazar era um local muito estranho. De dia era extremamente quente e durante a noite, muito frio. Não havia árvores, casas ou pessoas por aquelas bandas. Existiam apenas montes e montes de areia, um maior que o outro. Ester chamou-os de colinas de areia. Não era possível saber para onde deveria se seguir, pois todos os caminhos pareciam levar a lugar algum. Contudo, Baltazar sabia bem para onde seguir, notou Ester. Ele tinha convicção em seus passos, como se vivesse por ali por muito tempo, bem diferente dela. Quando o sol ia se escondendo por entre as colinas de areia, Baltazar parou:
— Veja, Ester! O pôr-do-sol! Faz tempo que não vejo um. Sempre estou morto quando ele acontece.
Então, Ester e Baltazar ficaram ali por alguns minutos até que o sol se escondesse por completo e o frio substituísse o calor escaldante. Tudo da noite para o homem pálido era maravilhoso, dado o tempo que ficara sem ver aquelas coisas. Comentava com Ester todas aquelas belezas enquanto caminhava para o local onde estava o Mascate. Dizia da lua, das estrelas, do acinzentado das cores pela falta de luz e do barulho do vento.
— Brrrrr, estou com frio! — a menina agarrou seus ombrinhos.
— O Deserto é assim durante a noite!
— Não sente frio?
— Sinto! Mas gosto de senti-lo! Faz tempo que não o sentia por estar morto.
— Você é maluco — Ester franziu a testa.
Baltazar sorriu e depois continuou:
— Caminhamos por muito tempo! Acho que podemos ficar por aqui para descansarmos para a caminhada de amanhã. Está muito escuro e frio para continuar — Baltazar colocou a mão em cima da cabeça amarela de Ester.
— Está bem! — assentiu a menina.
— Estou ansioso para dormir! Faz muitos anos que não sei o que é dormir!
— Eu bem sei! Você está sempre morto quando é chegado o momento de dormir — Ester imitou Baltazar falando.
— Isso mesmo!
O homem magro deitou sobre a areia quente daquele deserto e fechou os olhos.
— Deite-se na areia! Apesar do frio provocado pelo vento, o chão ainda está quente por causa do calor do dia.
A menina fez o que Baltazar tinha lhe dito:
— Que delícia! Esta areia está tão quentinha! — ela se enfiou por de baixo de um montinho de areia.
— Boa noite, criança! — disse o homem por fim.
Ester lhe respondeu:
— Boa noite.
Então os olhos se tornaram pesados demais e a dupla dormiu ali sob a guarda das estrelas e sob o calor da areia. Ester infelizmente não pôde dormir por muito tempo, pois uma voz fininha lhe chamou do mundo dos sonhos.
— Ester! Acorde! — dizia.
A menina abriu um olho e fez uma careta de sono. Aos poucos a imagem de sua boneca de louça foi se formando em frente as suas vistas. Ester distinguiu o vestido avermelhado e de rendas brancas de Amélia que sacudia com o vento.
— Vamos brincar! — a boneca cruzou os braços. — Desde que nos perdemos de casa você não brinca comigo.
— Desculpe-me, Amélia! Ando preocupada por estar longe de casa. Por que não dorme como Baltazar?
— Bonecas não dormem! — Amélia fez uma careta — Nós brincamos!
— Ah, estou cansada! Andei o dia todo, não quero brincar com você.
— Você não gosta mais de mim! — Amélia saiu correndo pela areia daquele deserto.
— Não é isso! Amélia, volte aqui!
Ester afastou a areia que cobria o seu corpo e se levantou apressada. Correu atrás da sua boneca, deserto adentro.
— Volte aqui! — gritou a menina.
Ao longe, Ester viu a boneca parada perto de uma mulher. Ao se aproximar, a garota pôde notar que se tratava de uma moça muito bonita, tinha os cabelos lisos e compridos, extremamente negros. Vestia branco e estava descalça. Mais perto, Ester parou de correr e viu que a mulher tinha o rosto ameno e o olhar de um azul que se parecia muito com cinza.
— Boa noite! — disse a menina. — perdoe-me por incomodá-la, mas minha boneca fugiu e vim buscá-la!
— Boa noite! — disse a mulher com desdém. — É um prazer receber vocês aqui no Deserto — a mulher suspirou e fitou as estrelas.
— O prazer é todo meu! Por acaso você sabe como faço para voltar para casa? Baltazar está me ajudando, mas talvez você possa ser mais eficiente do que ele! Não sei como vim parar aqui.
A mulher continuou a observar as estrelas como se não tivesse ouvido uma só palavra do que Ester tinha dito.
— A senhora parece tão estranha. Fala que é um prazer nos receber quando seu coração parece dizer o contrário. — a criança abaixou a cabeça.
— Ora, menina! Que ousadia! Eu digo a verdade! — finalmente a mulher olhou para Ester com seus olhos acinzentados.
— Desculpe-me — Ester começou a desenhar com o pé na areia quente. — Não era minha intenção ofendê-la.
— Não ofendeu.
— Ah, que bom! — a criança sorriu.
— E ainda fica feliz! — a mulher cruzou os braços e voltou a fitar as estrelas.
Ester não conseguia compreender aquela moça, resolveu mudar de assunto:
— Como é o seu nome?
— Chamo-me Maria Falsa.
— Eu me chamo Ester, como minha falecida avó. Esta fujona aqui é Amélia.
— Linda a sua bonequinha — Maria Falsa fez uma cara de nojo. — Eu adoraria brincar com ela caso não tivesse que ir embora.
— Ah, mas já vai? — Ester ficou triste.
Maria Falsa sorriu e disse:
— Corta meu coração, mas preciso ir — saiu saltitando e desapareceu pela noite.
— Mulher estranha — Amélia ergueu os braços para que Ester pudesse lhe pegar.

2 comentários:

  1. Que bom que esta passagem ainda é fresca em sua mente, amigo. Obrigado pela visita e comentário. Volte sempre! Abraço.

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