19 de março de 2018

O primeiro capítulo de V de Verônica

CAPÍTULO 1

Era depois do meio-dia, eu arrumava algumas revistas nas prateleiras e separava outras que ia devolver ao fornecedor quando uma viatura grande encostou em frente a minha loja de livros e revistas usadas. Parei o que estava fazendo e esperei pelos homens fardados, achando que gostariam de comprar o jornal do dia. As quatro portas do veículo se abriram, seis homens desceram, nervosos. Entraram pela porta da frente do Sebo e vieram até mim. Um deles encostou no balcão com a mão no revolver que vinha preso à cintura e disse:
— Há uma denúncia contra a senhora, temos que revistar o local. 
Eu estava assustada àquela altura e não consegui lhe responder. 
Os policiais começaram a revirar as revistas enquanto o meu interlocutor mantinha os olhos em mim. Não encontraram nada de suspeito, o que forçou o homem a voltar a falar comigo.
— A senhora é Verônica Albuquerque Gonçalves?
— Sim — respondi, trêmula. 
— A senhora terá que nos acompanhar até a delegacia — ele se virou para um colega. — Algeme-a. 
O metal frio se fechou sobre os meus punhos. Fui escoltada e empurrada com violência no porta-malas da viatura. Sem entender o que estava acontecendo, pensei em alguém que pudesse me ajudar. Entenda, eu não tinha muitos amigos. Que advogado eu conhecia? Automaticamente me lembrei de uma, mas seria complicado... podia tentar fugir, desaparecer, quando tivesse chance. A minha mente viajava nas possibilidades enquanto nos aproximávamos do Distrito Policial.
O carro parou, fiquei ainda mais assustada, pois havia muita gente em frente à delegacia. Placas eram empunhadas com palavras ofensivas; pessoas me xingavam. Um cuspe “caprichado” acertou o meu rosto. Fui conduzida para dentro da delegacia suspeitando do que tinha acontecido. 
A saliva alheia pingou do meu queixo enquanto observava uma mulher bem vestida, de cabelo curto num corte moderno se aproximar de mim. Ela passou um guardanapo em meu rosto e falou:
— Um belo par de olhos verdes, garota! 
Eu baixei a cabeça e ela ordenou:
— Levem-na até a minha sala. Vou colher o depoimento. 
— Tudo bem, doutora Meire — respondeu-lhe um dos homens que me escoltava.
— Não precisa ter medo, nós somos os bonzinhos — ela me disse. 
Era a primeira vez que frequentava uma delegacia. Sentia-me avessa ao local, apesar de as algemas me lembrarem da realidade. 
— Como vai ser? Quer chamar um advogado ou a conversa pode ser entre nós mesmo?
— Eu não sei — levei as mãos trêmulas e algemadas ao rosto. 
Meire suspirou. Procurou alguma coisa sobre a mesa desarrumada. Não encontrou. Voltou-se a mim.
— Tudo isso é novo para gente também, se serve de consolo. Por que não fugiu? Sei lá. 
Ela voltou a procurar sobre a mesa desordenada. 
— Devia estar aqui. 
Observei-a inspecionar os documentos, displicente.
— Achei — ela sorriu. 
Era um maço de cigarros. Sacou o isqueiro do bolso do paletó e acendeu um cigarro. 
— Deve saber o motivo de estar aqui, não? 
Eu continuei silente e ela baforou a fumaça para o alto. 
— Eles querem trucidar você lá fora. Tem ideia de como a notícia corre em cidades pequenas? Muitos juízes, acusadores, formadores de opinião, essa merda toda. Para falar a verdade, eu mesma não entendo o que está acontecendo. Esse pessoal ficou louco? Definitivamente estamos todos loucos — ela apagou o cigarro sobre a mesa. 
— Sou inocente — consegui dizer. 
— O problema é que temos um processo criminal instaurado contra a senhora. Um mandado de prisão expedido por um juiz e cumprido pelos meus homens. Não que eu queira, mas preciso te ouvir. 
— Você não pode me manter aqui. Eu não cometi nenhum crime! 
— Ok, você pode ler se quiser — ela empurrou algumas folhas sobre a mesa. 
— Não entendo de leis.
Meire entrelaçou os dedos das mãos, afastou sua cadeira e falou: 
— Vamos supor que nesta cidade esteja acontecendo um crime e que você seja um policial. Um homem está matando outro homem. Você está perto, tudo bem? Está vendo aquilo acontecer, mas não faz nada. O sujeito termina o trabalho dele, vai embora e você finge que não vê, consegue entender?
— Eu não sou um policial! Não me diga que... — então, eu entendi o que Meire queria dizer. 
Ela ergueu as sobrancelhas, triunfante. Completou:
— É por isso que está aqui — deu de ombros.
Naquele momento, notei que a minha noção de dever estava equivocada. O coração acelerou, o estomago afundou. Era ansiedade. Eu precisava saber; tinha que compreender imediatamente a dimensão de tudo aquilo. Ora, se tinha chegado ao ponto de ser presa... 
— Vou precisar de um advogado — foi o que respondi. 
— E um copo de água. Eu não sei o que a água faz com as pessoas nervosas, enfim. Sei que é o que posso te oferecer. 
— Por favor, doutora Meire.


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Mais novidades em breve. Abraço!  

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